
Por Fernando Liguori | Frater AHA-ON 777
@estrelaeserpente | @argentiumaster | @hermakoiergon
Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei.
Cada um interpreta tudo em termos de sua própria experiência. Se você diz algo que não toca num ponto precisamente similar no cérebro de outro homem, ele ou o entende mal, ou não o entende de forma alguma.[1]
Este livro é um mapa para os mistérios da magia sexual thelêmica, um caminho iniciático que conduz o magista ocidental ao supremo segredo da deificação da alma[2] através do poder de seu PHALLUS. Desde a puberdade, o homem estabelece um vínculo visceral com sua masculinidade por meio de seu órgão sexual, descobrindo nele não apenas uma fonte de prazer, mas também um símbolo de poder e domínio. Contudo, na embriaguez do êxtase, quando a energia se avoluma e o desejo se inflama, surge a grande pergunta: quem realmente possui quem? Quem verdadeiramente domina e quem é dominado? Este enigma, tão próximo e, ao mesmo tempo, oculto, jamais lhe é revelado.
Se o impulso iniciático o arremessar contra o Véu de Ísis,[3] mas não houver um guia para conduzi-lo, estará condenado a vagar, buscando respostas no escuro, ignorante da diferença entre os caminhos do erro e da Verdade. Pois tudo abaixo do Abismo está imerso na dualidade e, sem orientação, o homem reduz sua potência espiritual ao mero abuso do prazer ou, na melhor das hipóteses, a uma ferramenta de procriação. No mundo profano, o pênis é visto apenas como um instrumento de desejo ou um meio de perpetuação biológica – jamais como aquilo que verdadeiramente é: um Cetro de Luz, um veículo de comunhão com o Um Deus Verdadeiro. E, no entanto, nos rituais e nos ensinamentos velados da O.T.O., o magista descobre que o PHALLUS é o eixo ao redor do qual a magia sexual thelêmica se organiza – não um simples órgão, mas o próprio Centro da Criação, a chave para a transcendência, a ponte entre a matéria e o divino.
Meus escritos anteriores sobre este tema são ensaios de jñana-yoga, concebidos como chaves para despertar a gnōsis e provocar uma verdadeira metanoia através do Conhecimento. Eles apresentam um sistema intelectual que se enraíza na esfera cabalística de Hod-8, na Árvore da Vida – o domínio da Razão Iluminada, onde a mente inicia sua transmutação em Sabedoria. Aqui, o Adepto se depara com os segredos profundos do seu PHALLUS, não mais como um mero órgão de prazer ou ferramenta instintiva, mas como a própria Lança Sagrada de Parzival, um instrumento de poder, capaz de canalizar a força mágico-criadora da Vontade.
A jornada por esta esfera não é apenas um aprendizado técnico sobre magia sexual thelêmica; é um chamado para a destruição das ilusões que nos acorrentam à segurança material e às vaidades do mundo profano. Ao cruzar seus portais, aprendemos a despedaçar a máscara que usamos diante do mundo e ousamos olhar, sem filtros e sem subterfúgios, dentro de nós mesmos – desnudos diante da Verdade. Pois somente aquele que encara sua própria essência com honestidade pode transformar seu PHALLUS na vara do hierofante, e sua carne no altar vivo da Grande Obra.
Neste livro, mergulho profundamente nos escritos de Aleister Crowley (1875-1947)[4] sobre magia sexual, desvelando sua interpretação singular dos mistérios e arcanos que a cercam. A senda que escolhi não é apenas de estudo, mas de realização e transmissão, pois desde que assumi o manto de Mestre do Templo na A∴A∴, aceitei um fardo sagrado: a responsabilidade de iluminar os que vêm após mim.
Como aqueles que cruzaram antes o Portal do Abismo, compreendi que minha Vontade agora não me pertence mais – ela se alinha à corrente da Grande Obra, ao fluxo inexorável da Iluminação Universal. Entre as muitas incumbências que me cabem, uma das mais sublimes é cuidar do jardim da iniciação, nutrindo discípulos com os frutos do Conhecimento e oferecendo insights raros sobre os mistérios de Thelema – revelações que não costumam ser concedidas abaixo do Abismo, pois pertencem àqueles que ousaram rasgar o Véu e permanecer na Presença da Verdade.
Ao longo do processo de escrita e desenvolvimento deste livro, fui tomado por uma reflexão inevitável: o que realmente precisa ser dito sobre magia sexual? Vivemos em uma era saturada por desinformação, onde incontáveis vozes ecoam na internet e nas redes sociais, despejando um mar de absurdos e equívocos sobre esse tema sagrado. Diante desse caos de falsidade e superficialidade, percebi que minha abordagem precisava ser afiada como uma lâmina e precisa como um raio de luz atravessando as trevas. Pensei: o que deve ser preservado? O que deve ser descartado? E então, me lembrei de uma verdade dita por Jordan P. Peterson, psicólogo e intelectual canadense, que certa vez afirmou: Para pensar, você tem que arriscar se ofender.[5] Essas palavras me fizeram sorrir, pois sou um thelemita – e a Verdade é minha única bússola. Não me curvo diante do medo do julgamento alheio, nem diluo a essência daquilo que deve ser transmitido. Decidi falar com absoluta clareza e coragem, sem evitar questões incômodas, sem recuar diante do fogo que queima as ilusões. Pois aquele que busca a Verdade da Arte Real deve estar disposto a enfrentar os tabus, a atravessar o Abismo com olhos abertos e espírito inabalável.
Certa vez, deparei-me com um caso emblemático nas redes sociais: um autointitulado thelemita-z, instrutor de cursos, palestras e workshops sobre tantra e o despertar da kuṇḍalinī, alegava dominar as técnicas que Kenneth Grant (1924-2011)[6] denominou de passes do transe ofidiano.[7] No entanto, em vez de um trabalho consciente e legítimo com a śakti, ele promovia convulsões induzidas por passes magnéticos – prática típica do espiritismo e da Umbanda – sobre marmas, sandhis e cakras,[8] confundindo a manifestação bruta da energia vital com a verdadeira ascensão da Serpente Cósmica. O mais irônico? Este indivíduo é membro da O.T.O. paulista e, ao comentar sobre o livro The Secret Rituals of the O.T.O.,[9] de Francis King (1934–1994),[10] publicou uma declaração absurda: Li o livro de Francis King sobre a O.T.O. Nunca estudei um livro que eu considerasse mais entediante. Se você soubesse como ele é desorientador, nunca o leria. É o tipo de cagada que chega a ser viciante. Não recomendo.
Ao ler essas palavras, sorri com um misto de incredulidade e reconhecimento do velho espetáculo da ignorância. Como poderia um membro da Ordo Templi Orientis, envolvido em sua tradição e mistérios, demonstrar tamanho desprezo por uma das obras mais valiosas do estudo ocultista? Mais que um comentário infeliz, suas palavras traíam sua própria falta de compreensão sobre aquilo que alegava representar. O mundo da magia é, afinal, um espelho: aquele que vê lama, é lama[11] – como bem disse Aleister Crowley ao prolixo Arthur Edward Waite (1857–1942).[12]
Desde 1996, quando iniciei meu caminho em Thelema, e especialmente desde minha iniciação na O.T.O. em 2001, sempre considerei o livro de Francis King como uma pérola genuína do Ocultismo – um dos poucos registros disponíveis sobre as práticas veladas da Ordem. Ele não é um manual superficial para diletantes, nem uma leitura agradável para quem busca respostas fáceis. É um mapa para aqueles que sabem enxergar além das aparências. E, como sempre, os cegos amaldiçoam a luz que não conseguem suportar.
O excerto a seguir faz parte da biografia que estou escrevendo sobre Frater Achad (Charles Stansfeld Jones, 1886-1950),[13] um dos discípulos mais enigmáticos de Aleister Crowley. Achad esteve ao lado de Crowley justamente no período em que este reescrevia os rituais de iniciação da Ordo Templi Orientis, O.T.O., reconfigurando suas chaves esotéricas para o Novo Aeon. A biografia que estou desenvolvendo explora, entre outras coisas, a crença inabalável de Achad em Jesus Cristo- - não como uma figura dogmática aprisionada pela ortodoxia religiosa, mas como a manifestação viva do princípio divino encarnado, um arquétipo de realização espiritual que não deveria ser exclusivo de um único ser, mas uma promessa acessível a todos os indivíduos da era de Aquário. Achad acreditava que a humanidade, ao atravessar a escuridão dos Céus, estava destinada a despertar para sua própria divindade, cumprindo a suprema mensagem mística do Cristianismo: vós sois deuses de João 10:34.
Naturalmente, essa ideia pode parecer aterradora para o cristão médio. A noção de que a humanidade possa não mais se curvar a um único Deus, mas sim manifestar a centelha divina em cada ser humano, é um conceito revolucionário e herético aos olhos dos ortodoxos. No entanto, esse é um dos princípios centrais de Thelema: a libertação da consciência individual das correntes de submissão imposta e o reconhecimento de que Todo homem e toda mulher é uma estrela.[14] O trecho a seguir oferece uma visão mais profunda da teoria que Crowley buscava transmitir ao reformular os rituais de iniciação da O.T.O., estabelecendo um novo paradigma espiritual para a humanidade, longe das trevas do passado e mais próximo da luz do Conhecimento.
Assim como Charles Stansfeld Jones também veio a compreender, ambos os princípios são necessários: a luz (Ra-Hoor-Khuit – Hórus) e a escuridão (Hoor-paar-Kraat – Set) são apenas dois lados opostos da mesma moeda, que inevitavelmente se fundirão em Heru-ra-ha (Liber AL III:35), momento em que essas duas metades se tornarão um todo. Não se pode ignorar nenhuma dessas forças. De muitas maneiras, essa dualidade representa a natureza do trabalho do Adepto Menor 5°=6, operando a partir de Tiphereth (נאהט), o Sol. No antigo Aeon, enraizado na luz do dia, era possível ver apenas um Sol, que era representado por Jesus Cristo, uma única pessoa. Isso se refere à natureza do Adepto Externo, que projeta sua luz sobre a Terra, ou seja, o macrocosmo. Jones viria a acreditar que não podemos ignorar essa Pedra Fundamental do Cristianismo. Ele acreditava que Jesus nos deu uma pista para nossa Redenção ao afirmar que o Reino de Deus está dentro de vós (Lucas17:21). Isso implica que, na era de Aquário, a humanidade começará a perceber que todo homem e toda mulher é uma Estrela, ou um Filho de Deus. Isso representa o papel de se tornar o Adepto Interno em Tiphereth (נאהט), ou no microcosmo. Nesse ponto, enquanto estivermos em Tiphereth, teremos desviado nosso foco das preocupações mundanas da Terra e começaremos a olhar para o espaço, que é banhado na escuridão do Espaço Infinito (Nuit) onde, como uma Estrela, veremos uma infinidade de Estrelas.
Carl Gustav Jung (1875-1961),[15] o pai da psicologia analítica moderna, afirmou que essa escuridão do Espaço Infinito, ou a sombra da humanidade, é o lado sombrio ou a parte inconsciente de nossa personalidade, a qual não devemos ignorar. Sobre as missivas de Jung, John P. Conger escreve:
Permanecer um homem sem sombra é viver como um homem-massa, projetando sobre os outros os erros do mundo, sustentado por uma justiça superficial e facilmente sujeito às forças coletivas da vida. Sem sua sombra, o homem moderno não tem base, nem um senso individual de significado. «O homem moderno», argumentou Jung, «deve redescobrir uma fonte mais profunda de sua própria vida espiritual. Para isso, ele é obrigado a lutar contra o mal, a confrontar sua sombra, a integrar o diabo. Não há outra escolha.» O objetivo é uma síntese dos opostos, a assimilação da escuridão, a aceitação e o rejuvenescimento através do reconhecimento do lado instintivo e primitivo, o lado inferior. Mas a sombra pessoal, conclui Jung, está ligada a uma escuridão que nunca será completamente assimilada.[16]
Frater Achad e Aleister Crowley eram, em essência, místicos dualistas. Em sua visão da existência, tudo se apresentava sob polos opostos: positivo e negativo, espírito e matéria, realidade e ilusão. No entanto, longe de se aprisionarem nesse jogo de oposições, ambos reconheciam que a suprema jornada espiritual consistia na fusão dos extremos, na harmonização de Ra-Hoor-Khuit (Luz) e Hoor-paar-Kraat (Escuridão). Para Achad, essa reconciliação era mais do que uma metáfora mística – era a chave para a verdadeira iniciação. Sua crença era tão profunda que ele abraçou publicamente a mensagem de Jesus Cristo, enquanto Crowley, embora reconhecesse o mesmo princípio, optou por velá-lo em alegorias e parábolas dentro da O.T.O. Achad acreditava que, ao ingressar na Igreja Católica e se tornar um representante de Isa (o nome árabe para Jesus),[17] ele poderia assimilar com mais profundidade a mensagem espiritual do Novo Aeon. Nos graus superiores da O.T.O., ele descobriu o mistério oculto, onde o próprio Crowley afirmava: Em nosso Senhor Jesus Cristo a Grande Obra está realizada.[18] Essa sentença não era um mero artifício simbólico. Ela trazia consigo uma revelação maior: se a Grande Obra consiste em unir o Macrocosmo ao Microcosmo, então o homem e Deus tornam-se um e o mesmo – e essa é a verdade oculta na encarnação do Logos em carne e osso.
Para Achad, essa fusão entre o Aeon de Peixes (Luz) e o Aeon de Aquário (Escuridão) não era uma mera especulação, mas a chave para decifrar os mistérios codificados no Liber AL vel Legis. Ele tomou sua primeira comunhão na Missa do Galo, no Natal de 1928, acreditando que essa união dos opostos revelaria o segredo mais profundo da Grande Obra. Assim, ao explorar os escritos de Frater Achad ou os de Aleister Crowley, torna-se impossível negar Jesus Cristo ou o Um Deus Verdadeiro, pois as mensagens aeônicas de Peixes e Aquário não são excludentes, mas complementares. Como a Luz e a Escuridão, são dois aspectos inseparáveis do Todo. A verdadeira iniciação não está em escolher um lado e rejeitar o outro, mas em transcender a ilusão da dualidade para atingir a Verdade absoluta.
Revisitarei esses mistérios mais adiante, mas, por ora, permitam-me esclarecer que este livro é, acima de tudo, um guia prático sobre os fundamentos da magia sexual de Aleister Crowley. Haverá aqueles que se levantarão em indignação contra a revelação de tais segredos, mas é essencial compreender que nem tudo na O.T.O. está envolto em mistério absoluto. O próprio Crowley declarou: Os Irmãos estão obrigados ao sigilo apenas no que diz respeito à natureza dos rituais de nossa Ordem, bem como às nossas palavras, sinais, etc.[19] Em nenhum momento ele exige que nos calemos sobre tudo e, de fato, ele mesmo aboliu o sigilo absoluto como prática, afirmando: Uma das reformas que introduzi ao mundo foi a abolição de todas as obrigações de sigilo.[20] Pois o verdadeiro conhecimento secreto não precisa de correntes mundanas para ser protegido; ele já possui guardiões suficientes em sua própria natureza. Crowley, com seu característico sarcasmo, observou: Aprendi que basta dizer a verdade sobre quase qualquer coisa para ser imediatamente rotulado como mentiroso.[21] Assim, ele preferia lançar poeira nos olhos dos tolos, sendo casualmente franco, do que alimentar a ilusão de mistérios inatingíveis: Se você tem um segredo, é sempre perigoso deixar as pessoas suspeitarem de que você tem algo a esconder.[22]
Assim, deixemos de lado juramentos e véus de ocultação, pois antes que qualquer um possa verdadeiramente praticar a magia sexual, há requisitos fundamentais que devem ser cumpridos. E aqui está o mais importante: se você se proclama um thelemita, compreenda primeiro o papel que deseja assumir. Há três graus na jornada espiritual delineada pelo Liber AL vel Legis (I:40): o Eremita, o Amante e o Homem da Terra. Mas antes de aspirar às altas montanhas, certifique-se de ter firmado seus passos na base. Você deve primeiro viver o grau de Homem da Terra – e não apenas como um ideal distante, mas 24 horas por dia, 7 dias por semana.
A magia não é um espetáculo para ser assistido passivamente; ela é vivida, ardente como uma chama que consome a ilusão e revela a Verdade. É um estilo de vida. Portanto, abandone as fantasias sobre como deseja ser visto pelos outros e concentre-se, em vez disso, em realmente viver como um thelemita. Pois aquele que apenas imagina o caminho, mas não o percorre, jamais atingirá a Estrela.
Mas ela disse: os ordálios Eu não escrevo: os rituais serão metade conhecidos e metade escondidos: a Lei é para todos. Isto que tu escreves é o tripartido livro de Lei.[23]
A Lei, por sua própria definição, é uma declaração de fato, deduzida da observação, que afirma que um determinado fenômeno natural ou científico sempre ocorre se certas condições estiverem presentes. Esta não é uma mera convenção humana, mas uma verdade eterna que se manifesta sempre que o contexto apropriado se estabelece. Como thelemitas, somos instruídos a buscar a espiritualidade com a mesma disciplina e rigor de um cientista, vivendo sob o lema fundamental: o Método da Ciência. O Objetivo da Religião.[24] Não se trata de mera fé cega, mas de uma jornada meticulosa rumo ao Conhecimento, onde cada experiência, cada revelação, deve ser testada e verificada. Através da observação e da prática, aprendemos a reconhecer e integrar aquilo que verdadeiramente ressoa com nossa Vontade mais profunda.
Desde o início, quando o Saladino entrega uma cópia de O Livro da Lei aos convidados de sua Tenda, ele pronuncia estas palavras sagradas: Eu te saúdo como um irmão com o título de Minerval, Homem da Terra, um buscador da sabedoria oculta. Além disso, te apresento este Pergaminho Sagrado. Estude-o bem; ele é a Carta da Liberdade Universal.[25] Esta não foi uma entrega meramente simbólica, mas um chamado ao despertar. Dentro deste manuscrito está declarado, sem ambiguidade: A Lei é para todos,[26] um princípio absoluto que transcende dogmas e limitações. A Lei é para todos; não pode haver segredo sobre isso,[27] escreveu Crowley, reiterando que Thelema não é um conhecimento reservado a uma elite oculta, mas um farol destinado a toda a humanidade.[28]
Portanto, não devemos jamais ocultar nossa filosofia ou nossa fé. Não seleciones, portanto, «pessoas adequadas» segundo tua sabedoria mundana; prega abertamente a Lei a todos os homens.[29] Essas palavras são um chamado à coragem e à transparência, uma advertência contra o erro de julgar os outros com base em aparências, posição social ou riquezas. Não devemos julgar pelas circunstâncias temporárias,[30] adverte ainda Crowley. A Verdade é um fogo que deve ser compartilhado sem distinções. Se você se declara Thelemita, agora deve aceitar um dever sublime e inevitável: proclamar esta alegre revelação aos homens.[31] Thelema não se espalha pelo silêncio, mas pela chama viva daqueles que se atrevem a carregar sua tocha.
Mas diga: dizer-se thelemita faz de você um thelemita?
Em certos círculos modernos, Thelema exerce um fascínio particular, especialmente sobre aqueles que ainda carregam os grilhões do Velho Aeon. Após anos sendo condicionados por dogmas que ditam o que é permitido ou proibido, muitos enxergam em Faz o que tu queres uma licença irrestrita para satisfazer seus caprichos, projetando sobre Thelema suas próprias neuroses sob o pretexto de liberdade espiritual. Mas aqui reside o perigo do autoengano. O estudo correto de O Livro da Lei e sua filosofia não é apenas importante – é essencial. Pois um verdadeiro thelemita é aquele que reconhece que sua alma escolheu esta encarnação para obter uma experiência única e que, somente após a puberdade, recebe a liberdade consciente para Faz o que tu queres.
Contudo, essa liberdade não é uma garantia de que o espírito cumprirá seu propósito original. Pois Faz o que tu queres é uma espada de dois gumes quando aplicada abaixo do Abismo. De um lado, essa máxima concede ao indivíduo a licença para buscar sua experiência terrena conforme sua vontade. No entanto, se interpretada sem compreensão, pode se tornar uma armadilha. A alma, ao atravessar o Rio do Esquecimento[32] para encarnar, pode se desviar do seu propósito maior e se perder no simples faz o que quiser, sem qualquer consideração pela sua Verdadeira Vontade. Esse equívoco faz com que muitos se afastem da razão fundamental da encarnação: unir sua Vontade Finita à Vontade Infinita[33] do Um Deus Verdadeiro.
Aqueles que confundem libertinagem com Liberdade Verdadeira tornam-se thelomitas, um termo derivado do grego θέλω (theló), que significa querer.[34] Essas pessoas rejeitam a Vontade Infinita, agindo apenas de acordo com impulsos efêmeros e egoístas, ignorando o princípio fundamental de Thelema. Crowley advertiu contra isso, ensinando que a Lei não é uma desculpa para fazer simplesmente o que desejamos, mas um chamado para descobrir e seguir nossa Verdadeira Vontade.
Lembre-se: todo Thelemita começa como um Homem da Terra. Sua primeira e mais importante missão é aprender a Lei e vivê-la com autenticidade. Esta não é uma licença para impor moralidade, religião, política ou crenças pessoais aos outros, mas sim uma filosofia que, como ressalta Crowley, exige que respeitemos a Vontade alheia antes mesmo da nossa. Pois Thelema não sobre escravidão aos desejos momentâneos, mas sobre a descoberta da Verdadeira Vontade. E esta é a maior lição: chamar-se thelemita não faz de ninguém um thelemita – é preciso viver a Lei, e vivê-la verdadeiramente.
Em seus comentários sobre O Livro da Lei (I:40), Crowley diz que o Homem da Terra é um aderente. A definição de aderente é aquela alma que se alinha com um conjunto de ideias, não apenas de forma superficial, mas com a convicção que permeia cada fibra do seu ser. No caso de um verdadeiro aderente, o chamamos de thelemita. E ainda que isso possa soar simples, a realidade se revela bem mais profunda e desafiadora. Infelizmente, muitos tomam O Livro da Lei sem o devido estudo, sem contemplar suas palavras como um oráculo vivo que deve ser penetrado em seus mistérios mais ocultos. Pior ainda, há aqueles que torcem os versos a seu bel-prazer, extraindo apenas aquilo que infla seus Egos e os faz se sentir justificados em sua busca de prazeres sem direção. Evitam as passagens mais obscuras, aquelas que desafiam suas concepções prévias, ou simplesmente rejeitam tudo que contradiz seus confortos intelectuais. Em seus primeiros dias na O.T.O. o Minerval é instruído a memorizar o Capítulo I de O Livro da Lei. No I° Grau, o Capítulo II; no II° Grau, o Capítulo III. Isso significa que, ao chegar ao IV° Grau, o adepto terá um entendimento mais profundo da Lei, pois já assimilou sua essência. No entanto, muitos leem O Livro da Lei apenas uma ou duas vezes, sem mergulhar na profundidade necessária, tornando-se apenas mais um entre tantos que tratam Thelema como uma religião à la carte.
O caminho de um verdadeiro aderente é árduo e não pode ser trilhado sem esforço consciente. Não é preciso ser um neurocirurgião para perceber que a filosofia de Thelema, segundo Aleister Crowley, não oferece um método funcional para as massas criarem uma sociedade organizada – trata-se de uma fantasia utópica que oculta uma lei severa: Que meus servos sejam poucos e secretos: eles governarão os muitos e os conhecidos.[35] Essa é a verdade subjacente: Thelema nunca foi pensada para as massas, pois sua Lei só pode ser vivida em sua plenitude por aqueles que conquistaram a maestria de si mesmos. O problema? A vasta maioria da humanidade – incluindo muitos dentro da O.T.O. e da A∴A∴ – falha miseravelmente nessa tarefa. A multidão age como um rebanho, balindo entre cercas invisíveis, incapaz de executar até mesmo as mais básicas disciplinas exigidas pelo Caminho. E ainda pior, já não são ensinados a distinguir entre thelomitas e thelemitas. Até mesmo os ensinamentos preliminares sobre magia sexual thelêmica, que revelarei neste livro, foram esquecidos nos últimos tempos, especialmente para acomodar a visão moderna do papel da mulher na sociedade. Mas que fique claro: o que apresento aqui são os ensinamentos originais que Crowley transmitiu aos seus discípulos; baseio-me no que ele diz e no que eles, os discípulos diretos, explicam. No entanto, para satisfazer os que acham que já conhecem o segredo, é essencial reconhecer um ponto crucial: tecnicamente, não há um método único e absoluto para a prática desta Arte Sagrada. Como Crowley enfatiza: O sexo é o canto sagrado da alma; o sexo é o santuário do Eu.[36]
E com essa verdade, deixo momentaneamente o tema, reforçando que a primeira grande chave é simples, porém poderosa: Conhece-te a ti mesmo. O mundo moderno tornou-se um redemoinho de complexidade e confusão, e como todos parecem acreditar que dominam a verdade sobre a magia sexual, discutirão noite adentro caso estas palavras não confirmem suas crenças. Mas, afinal, quem está certo e quem está errado? Ou há mesmo certo e errado nesse Caminho? Ou melhor ainda, isso importa? Meus escritos não são para os que buscam atalhos, mas sim para aqueles que estão dispostos a se entregar de corpo e alma à senda da Iniciação, sem ilusões de glória fácil, mas com a disciplina necessária para aprender corretamente os segredos de Crowley e internalizá-los.
Concluir esta jornada literária é, na verdade, apenas o começo para aqueles que ousam trilhar o Caminho Real. A magia sexual thelêmica não é um jogo de sombras, nem uma licença para os desejos efêmeros da carne; é a Arte Sagrada da deificação da alma através do poder do PHALLUS, uma chave para a Grande Obra que transcende os véus da ilusão e conduz à fusão do finito com o infinito. Ao longo deste livro, desvendei segredos ocultos não para alimentar curiosos ou profanadores, mas para oferecer um mapa àqueles que buscam, com sincera determinação, a maestria sobre si mesmos. Quem compreende essa máxima sabe que o PHALLUS não é apenas um símbolo de potência física, mas um cetro divino, a ferramenta da Vontade que, quando direcionada com conhecimento e disciplina, abre os portais da imortalidade. A liberdade prometida por Thelema não está na mera satisfação dos instintos, mas na comunhão entre o indivíduo e sua Verdadeira Vontade – pois, aquele que se conhece profundamente torna-se não apenas um magista, mas um Deus encarnado. O Caminho está traçado, a Luz foi acesa. Que aqueles que possuem a Chama interna sigam adiante, pois a iniciação não é para os que hesitam, mas para os que ousam.
Amor é a lei, amor sob vontade.
Este texto é um excerto de A Lança & o Graal, em breve disponível.
NOTAS:
[1] Aleister Crowley. Diary of a Drug Fiend. Dove Press, 1970, pp. 250.
[2] No contexto do misticismo thelêmico, o termo deificação da alma é sinônimo de realização da grande obra.
[3] No contexto thelêmico, rasgar o véu de Ísis simboliza a revelação dos mistérios ocultos da natureza e da divindade, representando a transição da ilusão para transcendência espiritual. Aleister Crowley, em suas obras, frequentemente alude a essa metáfora para descrever o processo de iluminação e descoberta da Verdadeira Vontade. Por exemplo, na Operação de Bartzabel, publicada no The Equinox, Vol. I, No 9, em março de 1913, sob o título Uma Evocação de Bartzabel, o Espírito de Marte, menciona: O pensamento se dissolve na Divindade! Ísis, que teu sorriso que se curva divinamente, abençoe nosso instrumento sombrio! Essa passagem ilustra a busca pela compreensão profunda, onde o Adepto procura transcender as aparências e conectar-se com a Verdade, desvelando os segredos que o véu de Ísis representa. Em O Livro de Thoth, Aleister Crowley aborda o simbolismo do rasgar o véu de Ísis ao descrever o Atu da Alta Sacerdotisa no Tarot. Nele, a Alta Sacerdotisa é representada sentada diante de um fino véu que separa o mundo manifesto dos mistérios ocultos. Este véu simboliza a barreira entre o consciente e o inconsciente, o conhecido e o desconhecido. Rasgar o véu de Ísis, nesse contexto, representa a revelação dos mistérios ocultos da natureza e da divindade, uma transição da ilusão para a transcendência espiritual.
[4] Edward Alexander Crowley nasceu em 12 de outubro de 1875, em Leamington Spa, Warwickshire, Inglaterra, filho de Edward e Emily Crowley. Aleister Crowley, como gostava de ser chamado, foi um verdadeiro polímata: ocultista, magista cerimonial, escritor prolífico, poeta, romancista, pintor, enxadrista e alpinista de alto nível. Entretanto, a sociedade o rotulou como perverso, adorador do diabo e o chamou de o pior homem do mundo. É no dia 12 de outubro que os thelemitas ao redor do mundo celebram o Crowleymas, uma espécie de feriado thelêmico em homenagem ao nascimento de seu profeta.
De tudo o que Crowley realizou em sua vida, nada é mais importante do que o que começou em 9 de fevereiro de 1904, quando ele partiu para o Cairo com sua esposa, Rose Kelly, após terem chegado no dia anterior a Port Said, no Canal de Suez. No Cairo, Crowley alugou um pequeno apartamento e o transformou em um templo.
No dia 16 de março, ele realizou uma invocação para que sua esposa pudesse ver espíritos elementais do Ar. Rose, também conhecida como Ouarda a Vidente, não viu nada, mas entrou em um estado de transe curioso, repetindo insistentemente – Eles estão esperando por você! Inicialmente, Crowley pensou que aquilo era fruto da embriaguez constante da esposa ou mesmo de uma possível gravidez. Poucos dias depois, Rose explicou que eles eram, na verdade, uma referência ao deus Hórus. No dia 20 de março, Crowley proclamou: o Equinócio dos Deuses chegou!. Em uma visita ao museu local, ele se sentiu ainda mais tomado pela força daquele momento quando encontrou uma estela funerária de Ankh-af-na-Khonsu, classificada como a exposição de número 666 – o número da Besta, o seu número mágico.
Então, nos três primeiros dias de abril, Crowley recebeu a transmissão do que veio a se tornar O Livro da Lei, posteriormente denominado Liber AL vel Legis. Esse novo evangelho lhe foi ditado por Aiwass, uma entidade praeter-humana que se apresentou como ministro de Hoor-Paar-Kraat e mensageiro das forças que governam o planeta, pois a humanidade havia saído da era de Peixes e adentrado a era de Aquário. O novo mandamento dado à humanidade foi: Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei. Esse foi um momento decisivo na vida de Crowley, quando ele passou a acreditar que o cristianismo estava morto.
Em 1907, ele e George Cecil Jones fundaram uma Ordem conhecida como A∴A∴, através da qual Crowley começou a disseminar a nova Lei de Thelema. Posteriormente, ele ingressou em uma ordem para-maçônica alemã chamada Ordo Templi Orientis (O.T.O.) e, inevitavelmente, se tornou seu Cabeça Externo (O.H.O.). Ele utilizou ambas as ordens como se fossem uma Escola Interna e uma Escola Externa para o treinamento de Adeptos.
Em 12 de outubro de 1915, ele assinou o Juramento de Magus, adotando o nome mágico To Mega Therion ou A Grande Besta 666. Aleister Crowley morreu em 1° de dezembro de 1947, em Hastings, Inglaterra, de bronquite e falência cardíaca. Suas últimas palavras, ditas à sua enfermeira, foram: às vezes, eu me odeio.
[5] Jordan B. Peterson. The Pseudo-moralistic Stances of Activists. Vídeo disponível no YouTube.
[6] Kenneth Grant nasceu em 23 de maio de 1924, na Inglaterra, e faleceu em 15 de janeiro de 2011. Discípulo direto de Aleister Crowley, ele foi uma das figuras mais ousadas e controversas do Ocultismo moderno, expandindo os limites da tradição thelêmica para além das fronteiras estabelecidas por seu mestre. Grant não apenas preservou e desenvolveu os ensinamentos de Crowley, mas também os recontextualizou, criando uma abordagem própria baseada no culto das forças lunares e nas correntes subterrâneas da magia. Seu trabalho culminou na Ordo Templi Orientis Tifoniana (O.T.O. Tifoniana), uma derivada concorrente da O.T.O. que buscava integrar elementos da tradição draconiana, do tantra e do culto a entidades arquetípicas esquecidas, sobretudo as relacionadas ao feminino primordial e às zonas de poder além da mente racional, i.e. do círculos do tempo e espaço.
Diferente da ênfase solar e fálica de Crowley, centrada na fórmula mágica do Phallus, Grant trouxe à tona a fórmula da mágica da Kteis, o princípio feminino da criação, evocando uma perspectiva mais telúrica e lunar da magia sexual. Para ele, a chave da realização espiritual não estava apenas na projeção do sêmen como veículo de poder, mas na recepção da corrente mágica pela matriz cósmica da Kteis, a boca do Abismo, a abertura para o Vazio primordial. Sua obra, permeada de referências a Lovecraft (1890–1937), à tradição esotérica hindu e aos cultos esquecidos da Antiguidade, desvendava um caminho no qual a magia era um portal para outras realidades, um tecido de forças oníricas e deuses negros que aguardavam o despertar dos verdadeiros Iniciados.
Ao longo de sua vida, Kenneth Grant escreveu e publicou as Trilogias Tifonianas, revelando a existência de uma corrente paralela dentro de Thelema, um caminho não apenas solar e estruturado, mas caótico e selvagem, onde os mistérios da escuridão e do inconsciente eram explorados sem medo. Seu trabalho redefiniu a magia sexual como um processo não apenas hierofânico, mas xamânico e estético, abrindo portais para dimensões ocultas através de rituais, sonhos lúcidos e estados alterados de consciência. Em sua visão, a magia era uma alquimia interior, onde a fusão do masculino e do feminino transcendia a carne para abrir a percepção para os mistérios ocultos do universo. Assim, Grant permanece como uma das figuras mais visionárias da tradição esotérica contemporânea, um mago que ousou olhar para as sombras e descobrir nelas a luz da Verdadeira Vontade. Veja Fernando Liguori. Está Tudo no Ovo (Vols. I e II). Clube de Autores, 2019.
[7] Kenneth Grant. Hecate’s Fountain. Starfire, 2012. Veja também Fernando Liguori. Está Tudo no Ovo. Vol. II. Clube de Autores, 2019.
[8] Para uma apreensão da técnica, veja Fernando Liguori. Está Tudo no Ovo. Vol. II. Clube de Autores, 2019.
[9] Francis King. The Secret Rituals of O.T.O. Samuel Weiser, 1973. Todas as citações dos rituais da O.T.O. neste livro são derivadas dessa obra de Francis King.
[10] Francis King foi um dos mais brilhantes historiadores do Ocultismo do Séc. XX, cujas obras lançaram luz sobre os bastidores de ordens esotéricas e magistas influentes, incluindo a Ordo Templi Orientis e Aleister Crowley. Seu rigor acadêmico e acesso privilegiado a documentos raros fizeram dele uma referência indispensável para estudiosos da magia ocidental. Em livros como The Magical World of Aleister Crowley e Modern Ritual Magic, King desmistificou práticas e personagens do Ocultismo, revelando suas conexões com a política, a sociedade e os movimentos secretos. Sua abordagem equilibrada e informada reconheceu a profundidade filosófica e espiritual do sistema de Crowley. Seu legado é um farol para os que buscam entender não apenas a história das ordens ocultistas, mas a própria evolução do pensamento esotérico no Ocidente.
[11] Aleister Crowley. The Goetia: the Lesser Key of Solomon the King – Clavicula Salomonis Regis. Red Wheel, 1995, pp. 24.
[12] Arthur Edward Waite (1857–1942) foi um estudioso do Ocultismo, místico cristão e membro da Ordem Hermética da Aurora Dourada, sendo uma das figuras mais influentes na disseminação do esoterismo ocidental. Em muitos círculos esotéricos a ele é creditado o renascer da magia do fim do Séc. XIX. Autor prolífico, suas obras abordaram desde alquimia e cabalá até os mistérios da Rosa-Cruz, tendo sido fundamental na criação do famoso Rider-Waite Tarot, um dos baralhos mais populares da atualidade. Waite era um ocultista de inclinação mais mística e cristã, enfatizando a busca espiritual através da iluminação interior, em contraste com a abordagem mais mágica e experimental de Aleister Crowley, seu contemporâneo Ordem Hermética da Aurora Dourada. No início de sua jornada iniciática, Crowley teve contato com os escritos de Waite, mas logo os desprezou, considerando sua abordagem excessivamente moralista e dogmática.
[13] Charles Robert Stansfeld Jones, mais conhecido como Frater Achad, nasceu em 2 de abril de 1886 em Fulham Park Gardens, Londres. Aos 23 anos, em 24 de dezembro de 1909, ele assinou o Juramento de Probacionista e ingressou na A∴A∴ de Aleister Crowley. Em 15 de janeiro de 1915, Crowley emitiu uma patente proclamando Jones como Soberano Grande Inspetor Geral de todos os ritos, Nosso representante na Cidade de Vancouver VII°, equivalente ao 33° Grau do Rito Escocês. Em setembro de 1915, Crowley e sua então Mulher Escarlate, Soror Hilarion (Jeanne Foster, 1879-1970), realizaram operações mágicas utilizando a magia sexual do IX° Grau, visando gerar um herdeiro físico para sua corrente mágica. Menos de três anos após se tornar Neófito, em 20 de junho de 1916, Jones registrou em seu diário: 11h34 Proclamação de M.T., indicando que havia assumido o temido Juramento do Abismo e se declarado Magister Templi. Ao saber disso, Crowley o proclamou como seu Filho Mágico, nascido de seus rituais anteriores e profetizado no Liber AL vel Legis. No entanto, a vida pessoal e o comportamento de Achad após assumir o Juramento do Abismo o levaram por um caminho sombrio, levantando questionamentos sobre sua estabilidade mental. Seus problemas estavam enraizados na interpretação de tudo sob uma perspectiva mágica. Por exemplo, certa vez ele foi ao King Edward Hotel em Victoria acreditando que encontraria o Rei George V da Inglaterra, com a intenção de convencê-lo a abdicar em favor de Aleister Crowley, que ele acreditava ser o legítimo herdeiro. Embora o rei não estivesse no Canadá na época, isso não impediu Achad de entrar no quarto de uma mulher pensando que ela era a rainha. Ele admitiu ter tido relações com ela, sendo essa a primeira vez que traiu sua esposa, mas não a última. Infelizmente, seu comportamento errático no hotel atraiu a atenção da polícia local, que o prendeu e o manteve sob observação psiquiátrica por três dias. Eventualmente, ele e Aleister Crowley tiveram uma grande desavença, nunca se perdoando por supostas transgressões. Ao longo de sua vida, Achad escreveu muitos artigos e livros, sendo os mais notáveis Q.B.L. or The Bride’s Reception: A Short Qabalistic Treatise on the Nature and Use of the Tree of Life (1922), The Egyptian Revival (1923) e The Anatomy of the Body of God (1925). Ele também escreveu clássicos thelêmicos como Liber 31, The Master of the Temple e Stepping Out of the Old Aeon into the New. Jones faleceu em 24 de fevereiro de 1950 em Vancouver, Canadá, aos 64 anos. Apesar de suas evidentes falhas, não podemos ignorar a riqueza de material que ele nos deixou em relação aos perigos de assumir o grau de Magister Templi. Em suma, ele nos mostrou que todos têm o direito indiscutível de assumir esse grau, mas nem todos conseguem cumpri-lo uma vez assumido.
[14] Aleister Crowley. Liber AL vel Legis, I:3.
[15] Carl Gustav Jung foi um dos mais influentes psicólogos do Séc. XX e uma figura crucial para os sistemas modernos de magia, incluindo Thelema. Criador da psicologia analítica, Jung desenvolveu conceitos como o inconsciente coletivo, os arquétipos e a individuação, que se alinham profundamente com os princípios da jornada iniciática e da Grande Obra nos termos da magia moderna. Sua abordagem da psique como um campo de forças simbólicas ressoou fortemente no Ocultismo moderno, influenciando desde a cabala hermeticista até a alquimia e o tarot. Aleister Crowley reconhecia a importância do pensamento junguiano e chegou a citar sua obra em relação à compreensão dos símbolos mágicos e ao processo de descoberta da Verdadeira Vontade em cartas a seus discípulos. Jung, por sua vez, estudou fenômenos esotéricos com seriedade, analisando o Ocultismo não como superstição, mas como uma manifestação do inconsciente humano, validando assim a experiência mágica dentro de uma estrutura psicológica profunda. Seu legado continua a iluminar tanto os caminhos da psicologia quanto os da magia.
[16] John P. Conger. Jung and Reich: The Body as Shadow. North Atlantic Books, 2005, pp. 88.
[17] Abrogados estão todos os rituais, todos os ordálios, todas as palavras e sinais. Ra-Hoor-Khuit tomou seu assento no Oriente ao Equinócio dos Deuses; e que Asar seja com Isa, que também são um. Mas eles não são de me. Que Asar seja o adorante, Isa o sofredor; Hoor em seu secreto nome e esplendor é o Senhor iniciando. Aleister Crowley. Liber AL vel Legis, I:49.
[18] Francis King. The Secrtet Rituals of O.T.O. Weiser, 1973, pp. 221.
[19] Aleister Crowley. Liber Cl: An Open Latter to Those Who May Wish to Join the Order. Em The Equinox. Vol. III, No. I, pp. 218.
[20] Aleister Crowley, As Confissões de Aleister Crowley. Editora NTN, 2022, pp. 431.
[21] Ibidem, pp. 432.
[22] Ibidem, pp. 433.
[23] Aleister Crowley. Liber AL vel Legis, I:34-5.
[24] Essa declaração apareceu nas capas das edições do The Equinox, entre 1909 e 1913. Este é o órgão oficial de divulgação da A∴A∴ e, posteriormente, da O.T.O.
[25] Francis King. The Secrtet Rituals of O.T.O. Weiser, 1973, pp. 44.
[26] Aleister Crowley. Liber AL vel Legis, I:34.
[27] Aleister Crowley. O Livro da Lei comentado por Aleister Crowley. Via Sestra, 2023, pp. 38.
[28] No entanto: Sucesso é tua prova; não discutas; não convertas; não fales demais! Liber AL vel Legis, III:42.
[29] Aleister Crowley. Liber Khabs Am Pekht. Em The Equinox, Vol. III, No. 1. Weiser, 2007, pp. 175.
[30] Aleister Crowley. O Livro da Lei comentado por Aleister Crowley. Via Sestra, 2023, pp. 90.
[31] Ibidem, pp. 170.
[32] O mito do Rio do Esquecimento, ou Lete, da tradição grega, descreve um rio do Submundo pelo qual as almas dos mortos devem passar antes de renascer. Aquele que bebe de suas águas esquece sua vida passada, perdendo a memória de quem foi e do propósito de sua jornada. Esse conceito ecoa fortemente nos ensinamentos de Thelema, onde a encarnação é vista como um processo pelo qual o Espírito deve redescobrir sua Verdadeira Vontade, muitas vezes velada pelo esquecimento e pela ilusão do mundo material. Assim como as almas no Hades precisam resistir à tentação de beber do Lete para manter sua identidade espiritual, o thelemita deve buscar a recordação de seu propósito divino e evitar cair na distração dos desejos efêmeros do plano físico. A travessia pelo Rio do Esquecimento simboliza o desafio da consciência ao encarnar: lembrar-se de quem realmente é, de onde veio e para onde está indo. Neste sentido, a Grande Obra é a redescoberta da própria conexão com o Um Deus Verdadeiro, e a transcendência da amnésia imposta pela carne e pelo tempo. Veja Fernando Liguori. Corrente 93. Clube de Autores, 2017.
[33] Aleister Crowley aborda os conceitos de Vontade Finita e Vontade Infinita em Liber CL: De Lege Libellum. Neste texto, ele diferencia entre a vontade individual de cada pessoa, que se manifesta em talentos e inclinações específicas, e uma Vontade mais elevada, universal, que transcende o indivíduo. Crowley sugere que, ao alinhar nossa vontade pessoal com essa Vontade Infinita, atingimos um estado de harmonia com o Cosmos. No Liber Aleph Crowley expande essa ideia, enfatizando que a verdadeira liberdade reside em descobrir e seguir a Vontade Infinita, que é a expressão do propósito divino em nós. Ele argumenta que, ao nos libertarmos das limitações impostas pela sociedade e pelo Ego, podemos acessar essa Vontade superior e cumprir nosso verdadeiro destino
[34] Conceito desenvolvido por J. Edward Cornelius. Essays. Vol. 1. 2018, pp. 164. Publicação do autor.
[35] Aleister Crowley. Liber AL vel Legis, I:10.
[36] Aleister Crowley. On Sexual Freedon. Em The Revival of Magick and Other Essays. New Falcon, 1998, pp. 132.
O homem não retorna, a correnteza não flui montanha acima, a velha vida não existe mais. Obrigado por compartilhar. Salve o Maioral!