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O PHALLUS: MORAL, VONTADE & PODER

Atualizado: 27 de mar.

O Fogo do IX° Grau por Luciana Vasconcelos. Imagem produzida para o livro A Lança & o Graal.
O Fogo do IX° Grau por Luciana Vasconcelos. Imagem produzida para o livro A Lança & o Graal.

 

Por Fernando Liguori – Fr. AHA-ON 777

@estrelaeserpente | @argentiumaster | @hermakoiergon


Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei

 

O PHALLUS é o supremo e mais sagrado símbolo da força criadora. Ele representa o poder oculto que anima e transforma, a centelha da divindade no homem. Ele é a baqueta mágica que penetra o véu da ilusão, unindo o Céu e a Terra, e é a verdadeira Lança do Graal.[1]


Na tradição dos Mistérios, o órgão viril não é apenas instrumento de prazer ou procriação, mas o símbolo de uma potência cósmica: ele é o eixo do mundo e, como o pilar axial, representa a ponte entre o finito e o infinito, o humano e o divino. Dominar essa potência é ser senhor de si e do destino.[2]

Lingam é o Axis Mundi, a Espada de Fogo que corta o véu da ilusão, penetrando os três mundos. Nele reside o poder de criação, preservação e destruição. No Lingam está Śiva em sua forma ativa; e na Yoni está Śakti, a Matriz da existência. Quando o Lingam e a Yoni se unem, o universo inteiro é recriado, e o yogī que compreende este mistério ascende ao estado de Bhāirava, aquele que comanda tanto o Tempo quanto o Destino.[3]

 

A presente seção é uma coleção de entradas retiradas de meus diários mágicos entre 2017 e 2018 e.v., onde me lançava diariamente em meditações fálicas associadas ao VII° O.T.O. Neste Grau, o Cavaleiro – do Santo Graal – ou Grande Inspetor Geral da O.T.O. inicia uma série de venerações ao PLHALLUS como fonte de Vida e Luz do Um Deus Verdadeiro frente a imagem de um PHALLUS construído em metal,[4] como instrui De Natura Deorum.[5] O objetivo dessas venerações é místico-psiúrgico: o Cavaleiro deve tornar o seu ochēma-pneuma,[6] i.e. seu corpo astral em um Ovo de Luz (o augoeides), como um emblema da lâmpada mágica suspensa no teto do templo, quer dizer, o Castelo do Santo Graal.

 

Para acompanhar minhas meditações fálicas diárias, me aprofundava na época no estudo de dois filósofos: Friedrich Nietzsche (1844–1900)[7] e Julius Evola (1898–1974),[8] e a partir do pensamento deles, cruzando referências com Crowley e a filosofia de Thelema, bem como o falismo e o tantrismo, desenvolvi estas entradas nos diários batizadas com o nome de O Falo Sagrado: a Lança de Deus, o Poder Criador e a Ética da Verdadeira Vontade.

 

A prática seguia com rituais matinais, yoga, meditação e cidākāśa-dhāraṇā[9] no PHALLUS. O templo era organizado com um altar de cubo duplo no centro do círculo mágico, preto nas laterais e dourado no topo. Sobre ele a imagem de um PHALLUS esculpida em madeira e por trás dela, a Estela da Revelação e o Atu XV do Tarot de Thoth, O Diabo. Todo o ambiente era iluminado apenas com a lâmpada mágica no teto, sendo o templo pintado de preto, com quadrantes elementais tradicionais nas paredes em suas direções correspondentes. No centro dos portais elementais, pintados nas cores apropriadas e formas geográficas, estavam as quatro tábuas elementais enochianas.

 

Minha intenção em publicar estas entradas é demonstrar como a prática do VII° O.T.O., sua castidade requerida,[10] e o estudo cruzado de Evola, Nietzsche, Crowley, falismo e tantra, pode cristalizar a compreensão do PLHALLUS como um princípio divino no homem, uma arma mágica para restaurar a Palavra Perdida e a redenção da própria humanidade.

 

O corpo do texto pode ser repetitivo em alguns trechos, porque essas entradas no diário mágico sofriam atualizações na medida em que eu explorava a prática fálica e refletia sobre a convergência de Crowley, Evola, Nietzsche, falismo e tantra. Editei as entradas retirando muitas das repetições, mas algumas decidi deixar, porque me lembro que ao escrevê-las, despertava em meu interior uma profunda gnose que me auxiliou a superar vícios sexuais profundamente enraizados que trazia desde a infância. As entradas estão separadas por espaços, sem numeração ou data, para facilitar a leitura. As citações foram revisadas e atualizadas para edições mais recentes das fontes consultadas.

 

 

 

Ao longo da história religiosa do homem, o PHALLUS tem ocupado um lugar central como símbolo cósmico e divino. Dos cultos fálicos primitivos na Antiguidade, passando pelo lingam tântrico, até as concepções mágicas da Ordo Templi Orientis, o PHALLUS emerge não apenas como um órgão biológico, mas como um eixo metafísico, uma baqueta mágica de poder que conecta Céu e Terra, Espírito e Matéria, Criador e Criação. No contexto da magia sexual thelêmica, Aleister Crowley resgata esse símbolo ancestral, restaurando-o ao seu lugar de honra enquanto instrumento divino nas mãos do Iniciado: a Lança Sagrada empunhada por Parzival que, penetrando o Véu da Ilusão, consagra o ato sexual como uma epifania da Vontade e da Verdade.

 

A restauração do PHALLUS como símbolo de poder criador, longe de uma simples exaltação da masculinidade bruta, implica na recuperação da própria virilidade espiritual – conceito trabalhado por autores como Julius Evola, que via na virilidade não apenas um atributo físico, mas uma condição iniciática, um centro de poder pelo qual o homem se torna um canal consciente da Força Primordial, o Logos em ato. O PHALLUS é, nesse contexto, a materialização da Vontade enquanto poder operante, e seu uso mágico é o ato de alinhar essa potência criadora com a Verdadeira Vontade (thelema), que é a expressão individual do Um Deus Verdadeiro em cada Homem.

 

Mas essa restauração da virilidade e do PHALLUS mágico não ocorre sem implicações morais profundas. Tanto Crowley quanto Nietzsche e Evola apontam que o Iniciado – o verdadeiro aristocrata de alma – não é aquele que se curva à moralidade social ou religiosa herdada, mas aquele que gera sua própria moralidade a partir da realização de seu próprio centro solar, ou seja, seu PHALLUS espiritual. Assim, o ato mágico-sexual thelêmico não é uma mera prática libertina ou hedonista, mas a materialização de uma ética do poder criador, onde o prazer é consagrado pela consciência da Verdadeira Vontade que se manifesta através do ato.

 

A Lança Sagrada, portanto, é mais que um símbolo ou ferramenta cerimonial. Ela é o próprio Phallus-Deus, o bastão axial que une micro e macrocosmo, o PHALLUS mítico que, ao penetrar o Graal (yoni-babalon),[11] consuma o casamento alquímico e restabelece a ordem moral do Cosmos – não uma moral externa, herdada ou social, mas uma moralidade cósmica e mágica, nascida do próprio ato criador. Essa é a Verdadeira Vontade de Poder, o poder de gerar realidades a partir da união do Espírito e da Matéria, da Luz e da Escuridão, do Céu e do Inferno.

 

Em tempos de decadência espiritual e dissolução moral, onde a masculinidade é ou demonizada ou reduzida a caricatura de si mesma, a restauração do PHALLUS Mágico torna-se um ato revolucionário. Resgatar o poder criador do homem e reconectá-lo com a Tradição Iniciática é restabelecer a ponte entre o divino e o humano, entre a magia e a vida cotidiana, entre o espírito e a carne. O magista thelêmico, armado com sua Lança Sagrada e iluminado por sua Verdadeira Vontade, não é um escravo dos impulsos ou das normas sociais: ele é um aristocrata espiritual, um criador de mundos, um restaurador da Lei Cósmica, o portador do Phallus-Deus que, ao penetrar o Graal da Grande Mãe, dá à luz a Criança Mágica — o próprio Sol renascido, o Logos do Novo Aeon.

 

Em muitas as culturas iniciáticas arcaicas, o PHALLUS se ergueu como um eixo cosmogônico, uma ponte entre mundos, um símbolo da força criadora divina. De Siva portando o triśūla[12] (tridente) e o lingam[13] sagrado, até Dionísio com seu thyrsus[14] e Parzival com sua Lança Sagrada, a sacralização do órgão gerador masculino é, em sua essência, uma afirmação de que a potência criadora da divindade se manifesta no Homem através de sua virilidade.

 

No coração da magia sexual thelêmica, o PHALLUS é mais que uma parte do corpo: é o próprio cetro da Vontade. Aleister Crowley, absorvendo tanto o simbolismo fálico ocidental quanto a tradição tântrica oriental, ensina que o magista deve assumir seu órgão como a baqueta mágica de poder, capaz de unir Céu e Terra através da consciência dirigida. No Liber XV: a Missa Gnóstica, a Lança do Sacerdote, que penetra o Graal da Sacerdotisa, é a encenação dramática de um ato cósmico: a reintegração da polaridade divina em um único fluxo criador.

 

Em Liber Aba: Magia em Quatro Partes, Crowley diz: PHALLUS é a base de toda iniciação verdadeira; sem ele, não há poder mágico real, porque é nele que o magista é tanto Criador quanto Criatura.[15] Essa noção de Crowley conecta-se diretamente à compreensão tântrica de que o lingam não é meramente um símbolo da sexualidade masculina, mas a manifestação de um eixo divino, Śiva enquanto presença transcendente na matéria. O Kulārṇava-tantra,[16] um dos textos chave da uttārakaula,[17] afirma: O Lingam é o próprio Śiva; quem compreende o Lingam, compreende o universo.[18]

 

Crowley traduz essa concepção oriental para a sua teurgia sexual: o Sacerdote, portador da Lança, não é apenas um homem, mas um canal direto da energia solar fálica do Logos. A Lança representa a Verdadeira Vontade (thelema), que deve penetrar e fecundar o Graal, simbolizando a virtude fecunda e receptiva da Terra.

 

Essa visão de um poder criador vinculado à sexualidade consciente ecoa fortemente no conceito nietzschiano de Vontade de Poder (Wille zur Macht). Para Nietzsche, a Vontade não é apenas desejo ou pulsão, mas a própria essência dinâmica da realidade: Este mundo é a Vontade de Poder – e nada além disso![19]

 

Para Nietzsche, o cerne da existência não é a busca de uma verdade transcendente, mas sim a manifestação da vontade de poder. Essa força primordial não é apenas a vontade de sobreviver, mas sim a vontade de expandir-se, criar, afirmar e dominar. Todo ser vivo busca, em última instância, afirmar seu poder sobre si mesmo e o mundo. Esse conceito é vitalista, dinâmico e fundamentalmente criador – o poder é uma força criativa, estética e existencial.

 

Ele critica fortemente a moral judaico-cristã, que chama de moral dos escravos – uma moral que surge da fraqueza e do ressentimento. Essa moral valoriza a humildade, a submissão, a compaixão excessiva e o autosacrifício, por ser criada por aqueles que não possuem poder real e por isso criam um sistema que glorifica a fraqueza. Em contraste, a moral dos senhores é afirmativa, aristocrática e baseada na potência vital. O homem forte não precisa de validação externa, pois sua força e criatividade são a própria justificativa da sua existência.

 

Então Nietzsche desenvolve a ideia de Übermensch (ou Super-Homem), aquele que supera as morais impostas e cria seus próprios valores, baseado na autoafirmação e na vontade de poder. Ele é criador de sentido, um artista-existencialista que dá valor à vida a partir de sua própria experiência, sem recorrer a dogmas externos.

 

Crowley compartilha o desprezo nietzschiano pela moral do rebanho, chamando-a de prisão mental criada por religiões exotéricas e ideologias de controle social como socialismo e feminismo. Em seu lugar, Thelema propõe uma moral baseada na liberdade da Verdadeira Vontade, onde cada indivíduo é soberano e sua Vontade é sagrada. Isso ecoa a moral dos senhores de Nietzsche, mas Crowley adiciona uma camada ocultista e ritualística: realizar a Vontade é um ato mágico, uma forma de teurgia.

 

Em muitos sentidos Crowley adapta essa concepção da vontade de poder de Nietzsche, fundindo-a ao esoterismo ocidental e às tradições modernas hermeticistas. Em Thelema, a Verdadeira Vontade é essa força cósmica personalizada, a Vontade do próprio ser divino dentro do magista. Em O Livro da Lei Hadit clama: Eu sou a secreta Serpente enroscada a ponto de pular: em minhas roscas há alegria. Se Eu levanto minha cabeça, Eu e minha Nuit somos um. Se Eu abaixo minha cabeça, e ejaculo veneno, então há raptura da terra, e Eu e a terra somos um.[20]

 

Julius Evola, por sua vez, interpreta essa mesma ideia através da concepção de uma Virilidade Espiritual. Em The Metaphysics of Sex, ele explica que o PHALLUS, quando utilizado magicamente, é uma chave que reconecta o homem com sua origem solar e transcendente: No ato sexual, quando realizado em estado de completa presença mágica, o homem restaura sua virilidade divina, pois ele se torna o próprio eixo criador do cosmos.[21]

 

Julius Evola reforça que a decadência do mundo moderno está ligada à castração simbólica da virilidade espiritual, substituindo a potência criadora por uma sexualidade vulgar e profana. Resgatar a função sagrada do PHALLUS é resgatar a própria capacidade de operar como um centro de poder ordenante no Cosmos.

 

Para Evola, virilidade não é apenas uma qualidade biológica ou uma questão de gênero, mas uma categoria metafísica. Ele distingue a virilidade ordinária da virilidade transcendente, que é a capacidade de um homem conectar-se com o Eixo Vertical do Ser, transformando sua energia sexual e física em poder espiritual soberano. Em outras palavras, para Evola o PHALLUS é o cetro espiritual do homem, quando este não é escravo de seus impulsos biológicos, mas sim capaz de transmutar esse poder em potência mágica e espiritual.

 

O PHALLUS em Evola é a própria Coluna do Mundo interior do homem. É a chave mágica da Realização Espiritual pelo domínio da força sexual, com a ideia de que a sexualidade é um canal para o poder metafísico – desde que controlada e dirigida.

 

 

 

Se em Crowley o PHALLUS é a chave da Verdadeira Vontade e em Nietzsche é a expressão da Vontade de Poder, ambos rejeitam qualquer moralidade repressiva que busque domesticar ou envergonhar essa potência criadora. Como diz Nietzsche: Todo impulso vital quer dominar e se expandir; reprimir isso em nome da moral é suprimir a própria vida.[22] Crowley ecoa essa visão também: Toda repressão sexual é uma amputação da própria Vontade. A única moralidade verdadeira é descobrir o que realmente desejamos e fazê-lo com perfeição.[23] E Evola aprofunda essa crítica, associando a moralidade burguesa e cristã a um desmantelamento da iniciação masculina. Ele diz: Quando o homem perdeu o senso sagrado do PHALLUS e da Virilidade, ele se tornou uma criatura amputada, presa entre a culpa e a impotência.[24]

 

A Missa Gnóstica de Crowley pode ser interpretada como um rito teúrgico de restauração do PHALLUS Sagrado. O Sacerdote não é apenas um oficiante; ele é Parzival renascido, aquele que recupera a Lança Sagrada perdida. Ao penetrar o Graal, ele realiza o hieros-gamos – o casamento alquímico entre o Espírito Solar Masculino e o Ventre Lunar Feminino. Essa união não é, portanto, um ato de luxúria profana, mas o ato ético supremo da magia sexual thelêmica, onde o prazer é sacrificado à Vontade: A energia sexual, sublimada e direcionada, é a chave de todo poder mágico verdadeiro.[25]

 

Restaurar o PHALLUS na magia sexual é restaurar a conexão entre Vontade e Poder, entre criação e divindade. Sem esse eixo, não há Verdadeira Vontade, apenas pulsões dispersas. Sem esse PHALLUS consciente, não há liberdade espiritual, apenas escravidão aos instintos cegos ou à moralidade servil. Aqui reside a fórmula mágica da Quadratura no Círculo.[26]

 

Resta ao magista erguer sua Lança, consagrar seu Graal e gerar sua Criança Mágica – para que a Verdade, a Vida e o Amor se tornem uma coisa só: a Grande Obra.

 

 

 

No tantra, o lingam é o símbolo par excellence da potência criadora de Śiva, representando o eixo cósmico e a energia criativa masculina. No contexto ritualístico e cosmológico, o lingam é inseparável da yoni, o receptáculo feminino da Śakti, a energia dinâmica do universo, o poder puro. O Lingam é a imagem da consciência imóvel, pura e transcendente de Śiva. A Yoni é o receptáculo da manifestação, o ventre cósmico da deusa Śakti. Sem a Yoni, o Lingam é estéril; sem o Lingam, a Yoni é vazia.[27]

 

Essa fusão lingam-yoni é a essência do ritual tântrico, a maithunā, no qual o casal encarna e dramatiza a união divina. Aqui, o poder viril (vīrya) é identificado com o fluxo criador da própria consciência divina: O sêmen de Śiva, ao tocar a Yoni de Śakti, torna-se a fonte de todos os mundos.[28]

 

Em Thelema Crowley ressignificou esse conceito: o PHALLUS não é apenas um órgão anatômico, mas uma Chave Mágica, a baqueta solar e criadora que dá forma à Vontade (thelema). O Phallus é o símbolo essencial da Verdadeira Vontade criadora – não é apenas carne, mas Fogo, Luz, Força e Consciência. É a ferramenta do Logos.[29] Crowley codificou esse poder na Missa Gnóstica, onde a Lança do Sacerdote é o PHALLUS, e o Cálice da Sacerdotisa é a yoni. Assim como no tantra, a interação entre ambos é a dramatização da própria criação: Pela Lança e pelo Cálice, pelo Phallus e pelo Graal, a Luz é trazida ao mundo.[30] Além disso, na instrução do IX° O.T.O., Crowley explicitamente ensina que o controle e direcionamento da energia sexual é a chave da Grande Obra: A energia da Lança deve ser dirigida ao Graal, conscientemente e com precisão, como uma flecha mágica disparada do centro da alma.[31]

 

 

 

Em Julius Evola, a ideia de virilidade mágica assume um tom de restauração aristocrática e tradicional. Evola retira do simbolismo fálico qualquer dimensão vulgar ou meramente biológica. Para ele, o PHALLUS é o eixo metafísico da alma viril – é a ponte entre o humano e o divino, uma força axial que ordena o caos: A verdadeira virilidade é a potência mágica do homem que se torna centro, pilar e ponte entre os mundos visível e invisível. Essa virilidade, simbolizada pelo Phallus, é o que distingue o Iniciado do homem comum.[32]

 

Em Evola, o PHALLUS assume uma dimensão solar-hermética, na qual o ato sexual – quando consagrado – é uma forma de reatualizar o Eixo do Mundo (Axis Mundi). O homem viril não é aquele que apenas copula, mas aquele que transforma o ato sexual em um ritual de cosmificação: Somente o homem que converte seu sêmen em luz e sua luxúria em sabedoria pode cruzar a ponte entre o mundo e o Espírito.[33]

 

No tantra, em Evola ou em Thelema, i. o PHALLUS não é apenas uma função anatômica, mas um símbolo da conexão vertical entre Céu e Terra, o eixo da manifestação; ii. o poder criador sexual é visto como força espiritual, que pode ser transmutada em combustível para deificação da alma, i.e. a realização da Grande Obra; iii. a verdadeira virilidade não é brutalidade ou libido descontrolada, mas a concentração da Vontade Criadora; iv. a sexualidade é sacramento e iniciação: pelo PHALLUS e pela ioni, o homem se diviniza.

 

Essa tríplice ponte entre tantra, Thelema e Evola revela que a chave central da magia sexual não é o sexo em si, mas o poder da Vontade Criadora concentrada e dirigida. Esse é o verdadeiro Phallus Hermeticus, o cetro oculto de que fala Crowley, o lingam flamejante do tantra e a coluna de fogo do Iniciado Viril de Evola: Aquele que carrega a Lança deve saber que ela é o eixo da criação; aquele que a empunha conscientemente não é mais homem – é Deus em carne.[34] O verdadeiro homem é aquele cujo Phallus é um raio de fogo, pois nele o céu e a terra se tornam uma coisa só.[35]

 

 

 

Nos graus superiores da O.T.O., especialmente no IX°, Abrahadabra se conecta diretamente à função do PHALLUS como centro do poder mágico criador. É o Verbo Criador, a palavra que fecunda a matéria – o Logos Solar inseminando a Matéria Lunar (o Graal). Essa conexão explícita entre Abrahadabra, a Lança e o Cálice, é o tema central da Missa Gnóstica. E minha edição comentada de O Cálice do êxtase, de Frater Achad, comento: Abrahadabra é a expressão codificada da união do Falo e da Yoni, Hadit e Nuit, o Leão e a Serpente.[36] No mesmo livro coloco ênfase: ON é a semente, Abrahadabra é o fruto.[37] Implica que Abrahadabra contém dentro de si a fórmula de ON, que é a fórmula sexual do PHALLUS Solar fecundando a Matéria Lunar. Abrahadabra é a expansão completa de ON, o Logos Criador. Em Liber 418 Crowley diz: Abrahadabra é a chave da Magia Sexual no Novo Aeon, pois é a Palavra de Poder que coroa a operação da união entre o Sol e a Lua.[38] E no Magick ele diz: Abrahadabra é o Verbo Solar fecundando a Matéria, a Palavra da Palavra feita carne.[39]

 

 

 

Abrahadabra sintetiza todo entusiasmo energizado de Aleister Crowley.[40] Esse entusiasmo é uma excitação mística gerada por meios físicos (dança, canto, incenso, ritmo) e, especialmente, pela excitação sexual sublimada. Ou seja, o entusiasmo energizado é a manipulação da energia vital-sexual em direção à realização espiritual. Isso conecta diretamente o orgasmo físico e sua transmutação com a ideia de que ele leva a transcendência.

 

A energia mágica produzida no ritual é dirigida pela palavra de poder. A força mágica acumulada no ato sexual (ou sua simulação ritual) deve ser expressa em um som ou vibração que condensa e libera essa energia. Quando Sacerdote e Sacerdotisa selam o ato mágico tocando a Lança no Cálice, a palavra Abrahadabra é vibrada. Trata-se, portanto, do entusiasmo energizado plenamente verbalizado: o orgasmo é uma palavra mágica expressa em carne.[41] Abrahadabra é a fórmula fonética dessa palavra mágica universal. No momento do clímax mágico Abrahadabra é a chave que focaliza, dirige e libera essa força mágica para o Cosmos.

 

A força mágica, o entusiasmo energizado, é representada pelo PHALLUS. É a Lança, e a Lança é a Palavra Criadora. Abrahadabra é o Verbo do PHALLUS: o PHALLUS é a Lança, a Palavra Criadora que fende o Ventre da Matéria e traz o Verbo à Luz. Abrahadabra não é apenas uma técnica mágica, mas a própria manifestação da Verdadeira Vontade do magista. Ela é a palavra-chave da manifestação da Vontade Pura no mundo material. O entusiasmo energizado é a força que alimenta essa manifestação. Abrahadabra é o selo da Verdadeira Vontade em ato. É a luz do Sol da Vontade invadindo o mundo da forma.[42]

 

A palavra Abrahadabra, sendo a chave da magia do IX° O.T.O., está diretamente ligada ao conceito do PHALLUS. Crowley diz: O Phallus é o Fogo Secreto, a Lança da Vontade, e seu poder reside na capacidade de unir os opostos.[43] Ele não se refere apenas ao órgão sexual masculino, mas ao Princípio Criador Universal, a projeção do Logos. Assim, o PHALLUS é simultaneamente a Vontade Mágica em ação e o veículo pelo qual a Palavra é pronunciada.

 

 

 

A fórmula mágica Abrahadabra é central dentro do sistema thelêmico de Aleister Crowley. É a Palavra do Aeon de Hórus, contendo em si o Mistério da Grande Obra: a união mística entre o microcosmo (o homem) e o macrocosmo (o divino), sintetizada na expressão da Verdadeira Vontade. Mas além de sua função enquanto palavra de poder do Novo Aeon, essa fórmula é uma chave cifrada de mistérios alquímicos e sexuais, onde a manipulação consciente das energias mágicas e sexuais conduz à realização espiritual.

 

Encontramos uma camada oculta dessa fórmula, revelada através da tripla chave representada pelas letras R (resh – Atu XIX, o Sol ou a Semente do Pai), B (beth – Atu I, o Mago, o PHALLUS do Sol) e D (daleth – Atu III, a Imperatriz, que é Vênus, a matriz do êxtase). Essa tríade de letras não é casual, mas sim uma codificação da própria anatomia da fórmula Abrahadabra e do processo de transmutação mágica ligado ao entusiasmo energizado e à magia sexual. Essas são as três letras ou nervos centrais da fórmula Abrahadabra.

 

Essa leitura é hermeticamente vinculada à dinâmica da magia sexual em Thelema, onde a Lança do Sacerdote (Phallus) é introduzida no Cálice da Sacerdotisa (Yoni), e o resultado dessa união é a manifestação da Criança Mágica – simbolizada aqui pela palavra inteira Abrahadabra, que é o mantra da consumação da Grande Obra.

 

Quando sobreposta à Árvore da Vida, a fórmula Abrahadabra conecta diversos caminhos e sephiroth, mas a tríade R-B-D cria um eixo dinâmico específico:

 

  • R (resh) conecta-se a Tiphereth, o Sol, o centro da consciência e o lugar da Crucificação e Redenção.

  • B (beth) é a Casa, o Templo, relacionado a Mercúrio e ao poder da Palavra e da Mente Mágica.

  • D (daleth) é o portal de Vênus, ligado a Netzach e ao poder da Sacerdotisa (Babalon) enquanto Yoni Cósmica.

     

Juntas, essas três letras formam o circuito da energia criativa divina em sua operação sexual mágica: a energia solar (R) atravessa o portal de Vênus (D) e se manifesta no templo de Mercúrio (B), onde a Criança Mágica é formada. Esse é o mecanismo esotérico por trás do IX° O.T.O., explicitamente encenado na Missa Gnóstica e codificado no simbolismo da Lança e do Graal.

 

A conexão entre Abrahadabra, R-B-D e o conceito de entusiasmo energizado de Crowley é direta. Ele define esse entusiasmo como a técnica central da magia sexual thelêmica, onde a energia sexual é transformada em uma corrente mágica através da concentração da Vontade. No momento do êxtase sexual, o magista invoca a fórmula sagrada e projeta sua Vontade através da substância mágica (o Santo Óleo) como um veículo de consagração e criação. Ainda, R-B-D são três chaves anatômicas da Operação:

 

  • R: é o Fogo da Vontade ou o Aub da Aurora Dourada, a energia solar interna do magista.

  • B: é o Templo Interno (ou a Casa Sagrada), o espaço onde a Palavra toma forma e encarna.

  • D: é o Portal da Mulher (ou do Graal), Babalon enquanto Mulher Escarlate.

 

A fórmula mágica ON (ayin-nun) é fundamental para a compreensão de Abrahadabra. ON é a cidade sagrada do Sol, mas também é o símbolo do PHALLUS em estado de ereção e consagração. A fusão entre ON e Abrahadabra ocorre no momento da consumação mágica: o PHALLUS é a Lança que traça a fórmula na carne do mundo. E em The Revival of Magick, Crowley Diz: O Phallus é a Vara da Lei, o Portador da Palavra, e toda operação mágica é uma imitação ritualística do Ato Criador do Universo.[44] Essa ideia ecoa diretamente com Evola, que afirma: O Phallus não é apenas símbolo de fertilidade, mas a vara axial que conecta Céu e Terra, o raio de poder divino que é a imagem visível da Vontade Celeste manifestada.[45]

 

Assim Abrahadabra revela a anatomia secreta da própria operação sexual mágica, onde o PHALLUS (R), a Porta (D) e a Casa (B) se combinam em um ato teúrgico supremo. Essa fórmula sintetiza o poder da Vontade Criadora Divina agindo na carne, restaurando a virilidade sagrada e colocando novamente o PHALLUS no altar da Divindade. Que o magista compreenda que não há diferença entre seu Phallus e a Lança do Deus Solar, pois aquele é a manifestação microcósmica deste.[46] E a virilidade espiritual não é apenas potência sexual – é a manifestação do Logos Criador no ato.[47] Abrahadabra, portanto, é a proclamação da união restaurada entre o Céu e a Terra, a Lança e o Graal, a Vontade e o Poder, o Logos e o Caos, a Luz e as Trevas – o símbolo perfeito da Consciência Solar no centro do Novo Aeon.

 

 

 

Com base em toda a riqueza simbólica, histórica e mágica apresentada nas entradas acima, podemos concluir que o PHALLUS – seja ele compreendido como o lingam tântrico, a Lança de Parzival, o Cetro Solar de Crowley ou a Coluna da Virilidade Espiritual de Evola – é mais do que um mero símbolo fálico ou um emblema da masculinidade física. Ele se revela como o próprio eixo metafísico da Criação, a chave hermética que une Céu e Terra, Espírito e Matéria, Vontade e Poder. Essa restauração do PHALLUS enquanto instrumento sagrado não é uma exaltação bruta da carne, mas sim um profundo resgate da potência criadora divina que habita no homem.

 

Em Crowley, o PHALLUS é a própria Baqueta da Vontade Mágica, a Lança Sagrada que consuma a união entre Hadit e Nuit na Missa Gnóstica, selada pela fórmula Abrahadabra. Em Evola, o PHALLUS é a Coluna Solar que sustenta o cosmos interior do homem viril, sua conexão vertical com a Tradição Primordial e com o eixo do Ser. Em Nietzsche, a potência fálica é traduzida no conceito de Vontade de Poder – o impulso irreprimível de criação e autoafirmação, a energia vital que gera e recria mundos. Em todas essas cosmovisões, o PHALLUS é menos um órgão e mais um hieróglifo metafísico, uma chave operativa para a reintegração do homem com o divino.

 

O tantrismo, por sua vez, ensina essa verdade há milênios: o lingam de Śiva não é apenas o símbolo da masculinidade, mas sim a própria presença do Absoluto no mundo da forma. Sua união com a yoni de Śakti é a reprodução microcósmica da Dança da Criação. Crowley adaptou essa fórmula na magia sexual thelêmica, onde a Lança e o Graal performam esse mesmo drama cósmico – e no momento da consumação, o Verbo Criador é pronunciado: Abrahadabra.

 

Essa fórmula, como vimos, contém em seu seio a chave ON – o PHALLUS ereto como pilar solar e cidade sagrada da criação. R-B-D, as letras ocultas de Abrahadabra, reafirmam essa conexão: o Fogo da Vontade (R), o Templo da Palavra (B) e o Portal do Graal (D) formam a anatomia secreta da Grande Obra sexual. Nessa perspectiva, o PHALLUS é o Logos encarnado, a Palavra Criadora tornada carne – e a magia sexual, a dramatização alquímica dessa verdade metafísica.

 

Assim, conclui-se que restaurar o PHALLUS sagrado é restaurar a própria ordem cósmica. É devolver ao homem sua dignidade solar, sua função hierática como mediador entre o Divino e a Matéria. Em tempos de dissolução espiritual e relativismo moral, resgatar o PHALLUS como chave de Vontade, Poder e Moral é um ato de revolução espiritual e mágica. Aquele que compreende e consagra seu PHALLUS não é apenas um homem – é um sacerdote-criador, um arauto da Verdadeira Vontade, um restaurador da Palavra Perdida. Ele porta a Lança do Deus-Sol e, ao penetrar o Graal da Mãe Universal, fecunda o mundo com a luz de um novo Aeon. Como ensina Crowley, o PHALLUS é a Baqueta da Magia; nele reside a única Verdadeira Vontade, pois ele é a manifestação encarnada da Vontade de Criar.

 

Portanto, o PHALLUS Mágico é a síntese da Moral (autonomia do Iniciado), da Vontade (o Fogo Secreto criador) e do Poder (a capacidade de ordenar o Caos), configurando-se como o eixo hermético central da magia sexual thelêmica e da restauração da Virilidade Espiritual. É, em última instância, a chave solar que transforma o homem em uma estrela radiante, capaz de gerar, guiar e iluminar seu próprio universo: Todo homem e toda mulher é uma estrela.[48]

 

Amor é a lei, amor sob vontade.


Este texto é um excerto de A Lança & o Graal, em breve disponível.




















NOTAS:

[1] Aleister Crowley. Liber Aba: Magia em Quatro Partes. Penumbra, 2020, pp. 377. É possível dizer que essa passagem atualiza e condensa as ideias de Crowley acerca do PHALLUS como instrumento mágico do Um Deus Verdadeiro no reino da geração.

[2] Julius Evola. The Metaphysics of Sex. Inner Traditions, 1991, pp. 120.

[3] Kāmikāgama-tantra, Cap. 5, Verso 12-4. I Motilal Banarsidass Publishers, 2005, pp. 276. Tradução própria. Essa passagem exemplifica a cosmovisão fálica do tantra, onde o lingam não é uma referência a anatomia masculina, mas um símbolo que representa um pilar cósmico (skambha) que conecta Céu e Terra, Macro e Micro, Consciência (Śiva) e Poder (Śakti).

[4] Mas também em madeira ou pedra.

[5] Veja Fernando Liguori. O Olho de Hoor: o Entusiasmo Energizado de Aleister Crowley (Vol. I, No. 10). Clube de Autores, 2018.

[6] O conceito de ochēma-pneuma, ou veículo pneumático da alma, é central na tradição do platonismo teúrgico, sendo um elo entre a alma imaterial e o corpo físico. Inspirado nas obras de Platão (428–348 a.E.C.) e Aristóteles (384–322 a.E.C.), este veículo é composto de pneuma, um éter sutil que abriga a alma racional em sua descida ao mundo material e atua como órgão da imaginação e percepção sensorial. A alma, ao encarnar, atravessa os éteres planetários e absorve influências que a obscurecem, tornando essencial sua purificação através da teurgia. Os ritos teúrgicos eram empregados para elevar e refinar esse veículo, permitindo sua ascensão gradual pelo Cosmos até os deuses. Diferentes filósofos deram enfoques distintos a essa ideia: Plotino (205–270 d.E.C.) ignorou sua importância, enquanto Porfírio (234–305 d.E.C.) considerava a teurgia eficiente apenas para purificar o veículo, não a alma. Já Jâmblico (245–325 d.E.C.) argumentava que somente a teurgia poderia purificar tanto o veículo quanto a alma, sendo essencial para a apoteose e a divinização do ser humano.

O ochēma-pneuma também teve ecos no hermetismo, onde era associado à luz divina, e no esoterismo ocidental, onde se tornou equivalente ao corpo astral. A tradição teosófica e o Ocultismo em geral, bem como o espiritismo kardecista, desenvolveram variações desse conceito, como perispírito, corpo etérico e aura. No entanto, diferentemente das concepções modernas que enfatizam fenômenos psíquicos, o ochēma-pneuma no platonismo teúrgico era tratado como um meio técnico de transformação espiritual. Ele poderia ser purificado por meio de ritos, encantamentos, pedras sagradas e técnicas respiratórias, tornando-se um veículo de luz para a ascensão da alma. Esse princípio influenciou a cabalá crioula, que busca integrar os métodos do platonismo teúrgico com práticas psicofisiológicas do tantra, como o prāṇa-vidyā, para fortalecer e enaltecer o ochēma-pneuma dentro de sua cosmologia iniciática. Veja Fernando Liguori. Kalunga: Teurgia & Cabalá Crioula. No prelo.

[7] Friedrich Nietzsche (1844–1900) foi um filósofo visionário cuja obra incendiou as bases do pensamento ocidental e abriu caminho para uma nova era de consciência e autodeterminação. Sua crítica implacável à moral cristã e sua proclamação da morte de Deus marcaram o início de um pensamento que rejeita qualquer forma de dogma e escravidão espiritual. Em sua doutrina do Übermensch (o Além-do ou Super-Homem), Nietzsche vislumbrou a ascensão do indivíduo soberano, aquele que transcende as limitações impostas pela sociedade e pela tradição, forjando seu próprio destino através da Vontade de Poder. Para ele, a vida não deveria ser negada ou restringida por falsas virtudes, mas celebrada em sua plenitude, impulsionada por uma força criativa e dionisíaca. Essa visão, expressa em obras como Assim Falou Zaratustra, ecoa profundamente na filosofia de Thelema, que proclama: Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei.

A influência de Nietzsche sobre Aleister Crowley e Thelema é inegável. Ambos rejeitaram os grilhões da moralidade convencional e defenderam uma nova ética baseada na Vontade e na autoexpressão absoluta. Crowley viu na Vontade de Poder de Nietzsche um paralelo direto com o conceito thelêmico de Verdadeira Vontade, onde o indivíduo deve descobrir e cumprir seu destino cósmico sem restrições externas. Assim como Nietzsche exaltou Dionísio como a divindade do êxtase e da transgressão criadora, Thelema ergue Nuit, Hadit e Ra-Hoor-Khuit como os arquétipos da libertação e do poder espiritual. A visão nietzschiana da Grande Saúde, onde o homem se torna mestre de si mesmo ao abraçar sua própria natureza sem culpa ou arrependimento, encontra ressonância na doutrina thelêmica, que ensina a liberdade como condição primordial da deificação. Nietzsche não foi apenas um filósofo; ele foi um profeta da emancipação do espírito, um precursor do Novo Aeon, cuja voz ainda ecoa naqueles que ousam trilhar o caminho da Vontade e da Verdadeira Liberdade. Como tal ele foi deificado como Santo pela Igreja Gnóstica Católica da O.T.O.

[8] Julius Evola (1898–1974) foi um filósofo, místico e esoterista italiano cuja obra se tornou um farol para aqueles que buscam uma visão transcendente da existência, livre das ilusões do mundo moderno. Originalmente envolvido com o dadaísmo, Evola logo transcendeu a arte para se aprofundar nos mistérios do hermetismo, do esoterismo ocidental e das tradições espirituais orientais, tornando-se uma das vozes mais influentes do pensamento tradicionalista. Em seu trabalho, ele denunciou o declínio da civilização ocidental e propôs um retorno às hierarquias espirituais e aristocráticas que sustentam as grandes tradições. Seu pensamento político foi marcado por um profundo antigualitarismo e por uma defesa de uma elite espiritual, que deveria liderar a sociedade segundo princípios iniciáticos. Obras como Revolta contra o Mundo Moderno e O Homem como Poder consolidaram seu legado como um dos mais radicais pensadores tradicionalistas, inspirando tanto estudiosos do esoterismo quanto intelectuais dissidentes.

No campo do Ocultismo, Evola foi um dos pioneiros na tentativa de sistematização da magia sexual no Ocidente, explorando suas implicações metafísicas e seu papel na alquimia espiritual. Influenciado por correntes esotéricas como o tantrismo e a Hermética, ele enxergava a sexualidade não como um mero ato físico, mas como um veículo para a transmutação interior e para o despertar de estados superiores de consciência. Seu livro Metafísica do Sexo revelou a profunda conexão entre o erotismo sagrado e os mistérios iniciáticos, delineando a prática sexual como um campo de batalha entre a degradação moderna e a ascensão do indivíduo à soberania espiritual. Assim como na abordagem de Crowley, que enfatizava a energia fálica, Evola via na restauração da virilidade uma chave para a superação da dualidade e para a reintegração do ser com o princípio supremo. Sua visão da magia sexual influenciou gerações de ocultistas, tornando-se uma referência essencial para aqueles que buscam redescobrir o poder transcendente da sexualidade sob uma ótica iniciática.

[9] Veja Fernando Liguori. Yoga para Magistas, Vol. I. Clube de Autores, 2016.

[10] Veja Fernando Liguori. Rituais, Documentos & a Magia Sexual da O.T.O., Vol. I. Clube de Autores, 2017.

[11] Útero cósmico de Śakti; receptáculo e matriz da criação.

[12] Tridente de Śiva; poder tríplice: criação, preservação e destruição.

[13] Símbolo fálico de Śiva; o eixo cósmico e consciência transcendente.

[14] O thyrsus é uma representação simbólica do Phallus – mas não um Phallus anatômico, e sim um Phallus vegetal, representando o poder fecundador da Natureza. Como bastão ritualmente consagrado, ele é um símbolo da força criativa da vida, uma extensão da potência vital de Dionísio.

Dionísio é um deus do êxtase, da dissolução das barreiras entre os mundos, da possessão divina e da loucura sagrada. O thyrsus, segurado pelas Ménades (as mulheres extáticas em seu culto), é tanto um cetro de poder espiritual, quanto uma arma mágica. Com ele, as Ménades podiam destruir e criar, simbolizando a potência dupla da vida e da morte.

O thyrsus, sendo uma vara erguida verticalmente e conectada ao Céu e à Terra, é um símbolo do Axis Mundi, o eixo do mundo. Ele é, portanto, uma ponte entre o mundo divino e o mundo humano. Ao brandir o thyrsus, o iniciado de Dionísio canaliza diretamente o poder divino, tornando-se uma manifestação do próprio deus.

[15] Aleister Crowley. Liber Aba: Magia em Quatro Partes. Penumbra, 2020, pp. 380.

[16] O Kulārṇava-tantra é um dos textos mais importantes da tradição Kaula, uma das escolas tântricas Śaktas, centrada na veneração da Deusa e no uso do corpo, da sexualidade e da energia vital como vias diretas de realização espiritual. Composto em sânscrito, provavelmente entre os Séc. XI e XIV, o texto apresenta diálogos entre Śiva e Devī, nos quais Śiva revela os segredos do caminho Kaula – incluindo rituais, iniciações, práticas sexuais sagradas (maithunā), mantras e meditações profundas sobre a união do lingam e da yoni como símbolos cósmicos da Criação. O Kulārṇava-tantra destaca-se por sua abordagem esotérica e transgressiva, rompendo com as normas bramânicas tradicionais ao sacralizar práticas consideradas tabu, como o consumo ritual de carne e álcool e a união sexual como sacramento. Ele também ensina que o verdadeiro yogī deve transformar seu próprio corpo em um templo vivo, onde Śakti, a energia criadora divina, desperta como kuṇḍalinī e ascende até Śiva no sahasrāra-cakra, consumando a união mística que dissolve toda dualidade. O texto é uma chave essencial para compreender o Tantra Kaula como um caminho de poder (śakti-sādhanā), onde a realização espiritual é inseparável da incorporação consciente da força sexual e da transcendência da moralidade comum em nome da experiência direta do divino.

[17] O termo uttārakaula se refere a uma vertente elevada (uttara = superior) da tradição Kaula, considerada a forma mais esotérica, refinada e interna dessa linhagem. Enquanto kaula-mārga de forma geral já é uma corrente tântrica que valoriza a fusão direta entre corpo, energia e consciência divina – incluindo práticas de sexualidade sagrada (maithunā), rituais com elementos transgressivos (pañcamakāra), e a veneração da Śakti como a própria essência da realidade – a uttārakaula se destaca por enfatizar a realização direta da identidade absoluta entre o praticante (sādhaka), o guru e a própria Śakti. Em outras palavras, na uttārakaula, o praticante é levado a compreender que ele mesmo é o próprio lingam de Śiva e a yoni de Śakti, e que toda a realidade é um ato contínuo de união divina.

O Kulārṇava-tantra, por sua profundidade e abrangência, é visto como a principal escritura doutrinal e prática dessa vertente superior. Nele, Śiva ensina à Devī que a senda Kaula não é apenas um caminho de técnicas e rituais, mas uma revelação de uma linhagem secreta e direta, transmitida apenas de mestre para discípulo escolhido, dentro de um círculo fechado de iniciados. Esse conceito de linhagem esotérica reservada aos poucos eleitos pela própria Śakti é uma marca registrada da uttārakaula, que considera essa transmissão um ato místico de reconhecimento, onde o próprio guru personifica Śiva e o discípulo é visto como Śakti, ou vice-versa. Isso transforma a iniciação em um ato sexual sagrado em nível cósmico e metafísico, e não apenas ritualístico ou cerimonial.

Assim, podemos dizer que o Kulārṇava-tantra não é apenas um texto dentro do universo Kaula: ele é a escritura-chave da uttārakaula, funcionando como um mapa esotérico da iniciação mais elevada possível, onde o praticante, transcendendo todas as dualidades, reconhece seu próprio corpo como o templo, seu Phallus como o lingam de Śiva e sua mente como a consciência ilimitada da própria Devī. Esse processo é visto como o coroamento do sādhanā-kaula, uma apoteose que só é acessível àqueles que, segundo o próprio texto, nasceram Kaula por natureza e receberam a transmissão correta de um guru Kaula legítimo.

[18] Arthur Avalon. Kulāṇarva-tantra. Motilal Banarsidass Publishers, 2000, pp. 177. Tradução própria.

[19] Friedrich Nietzsche. Além do Bem e do Mal. Veríssimo, 2024, pp. 44.

[20] Aleister Crowley. Liber AL vel Legis, II:26.

[21] Julius Evola. The Metaphysics of Sex. Inner Traditions, 1991, pp. 137.

[22] Friedrich Nietzsche. A Genealogia da Moral. Companhia de Bolso, 2009, pp. 65.

[23] Aleister Crowley. Magick sem Lágrimas. Clube de Autores, 2024, pp. 172.

[24] Julius Evola. Revolt Against the Modern World. Inner Traditions, 1995, pp. 234.

[25] Aleister Crowley. Liber Aba: Magia em Quatro Partes. Penumbra, 2020, pp. 382.

[26] Veja abaixo.

[27] Śiva-saṃhita. YogaVidya.com, 2007, pp. 111.

[28] Arthur Avalon. Kulāṇarva-tantra. Motilal Banarsidass Publishers, 2000, pp. 129. Tradução própria.

[29] Aleister Crowley. Liber Aba: Magia em Quatro Partes. Penumbra, 2020, pp. 306.

[30] Aleister Crowley. The Equinox. Vol. III, No. 10. Weiser, 1986, pp. 126.

[31] Aleister Crowley. Liber Agape. Em Fernando Liguori. Rituais, Documentos & a Magia Sexual da O.T.O. Vol. I (primeira edição). Clube de Autores, 2015.

[32] Julius Evola. The Metaphysics of Sex. Inner Traditions, 1991, pp. 142.

[33] Ibidem, pp. 143.

[34] Aleister Crowley. The Equinox. Vol. III, No. 10. Weiser, 1986, pp. 128.

[35] Julius Evola. The Metaphysics of Sex. Inner Traditions, 1991, pp. 151.

[36] Charles Stansfeld Jones e Fernando Liguori. O Cálice do Êxtase. Clube de Autores, 2017, pp. 25.

[37] Ibidem, pp. 26.

[38] Aleister Crowley. A Visão & a Voz. Comentário ao 1° Aethyr. Em The Equinox: Livros Selecionados. Tomo I. Daemon Editora, 2020, pp. 326.

[39] Aleister Crowley. Liber Aba: Magia em Quatro Partes. Penumbra, 2020, pp. 412.

[40] Veja Fernando Liguori. O Olho de Hoor: o Entusiasmo Energizado de Aleister Crowley (Vol. I, No. 10). Clube de Autores, 2018.

[41] Aleister Crowley. Magick sem Lágrimas. Clube de Autores, 2024, pp. 318.

[42] Aleister Crowley. Liber Aleph. Clube de Autores, sem data, pp. 77.

[43] Aleister Crowley. Liber Aba: Magia em Quatro Partes. Penumbra, 2020, pp. 417.

[44] Aleister Crowley. The revival of Magick and Other Essays. Weiser, 1998, pp. 73.

[45] Julius Evola. The Metaphysics of Sex. Inner Traditions, 1991, pp. 146.

[46] Aleister Crowley. The revival of Magick and Other Essays. Weiser, 1998, pp. 74.

[47] Julius Evola. The Metaphysics of Sex. Inner Traditions, 1991, pp. 149.

[48] Aleister Crowley. Liber AL vel Legis, I:3.

 
 
 

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