[Magia sem Lágrimas]: O Sagrado Anjo Guardião #2
- Fernando Liguori
- 18 de mar.
- 5 min de leitura

18 DE MARÇO DE 2025 E.V. – O Sagrado Anjo Guardião
Anno Vviii
Sol in 28° Peixes, Luna in 17° Escorpião
Dies Martis
18 de Março de 2025 e.v.
Care Frater,
Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei.
Então você pergunta se:
O Exu tutelar é o Sagrado Anjo Guardião;
afinal, é um espírito ou o Eu Superior?
Vou começar assim: você entende que a palavra anjo em sagrado anjo guardião não é um anjo no sentido em que se compreende no Ocidente a partir da Septuaginta?[1] Quando Crowley escolheu manter este termo que aparece na Magia Sagrada de Abramelin,[2] não o fez, no entanto, querendo dizer que o S.A.G. é um anjo no sentido em que os cristãos ou a teosofia cristã compreendem. Aiwass, o S.A.G. de Crowley, se parecia com um anjo? A palavra anjo deve ser compreendida como entidade praeter-humana, quer dizer, qualquer tipo de espírito. Em Thelema, o termo sagrado anjo guardião é sinônimo de espírito tutelar, gênio guardião, diabo pessoal, daimōn pessoal, paredros, demônio tutelar, espírito familiar, ajudante espiritual etc. No Daemonium: Curso de Filosofia Oculta, demonstro que o S.A.G. em Thelema é uma recessão moderna para uma das mais antigas fórmulas mágicas da magia: o conhecimento & conversação com o espírito tutelar. Essa é a espinha dorsal do livro.
Na seção anterior, fiz uma resenha de apresentação aos livros Corrente 93 e Em Nome da Besta, dizendo que o S.A.G. está, em verdade, acima do Abismo, morada dos Chefes Secretos da A∴A∴. Por outro lado, Crowley dizia que Aiwass era tanto seu S.A.G. quanto um Chefe Secreto. E no Magick Without Tears, ao falar dos Chefes Secretos, ele diz que estes podem ser encarnados ou desencarnados,[3] i.e. podem ser mestres vivos ou espíritos ancestrais. E no mesmo livro, sobre estes espíritos, ele diz: Minhas observações sobre o Universo convencem-me que existem Seres de inteligência e poder de uma qualidade muito superior do que qualquer coisa que nós possamos conceber como humano [...] a única chance para a humanidade avançar como um todo é fazer com que individualmente cada humano entre em contato com estes Seres.[4]
Assim, o Sagrado Anjo Guardião pode ser qualquer tipo de espírito intermediário, aproximando-o do conceito técnico de daimōn na tradição grega. Pode ser um ancestral deificado, um espírito da natureza, ou até mesmo um espírito astral. Se o S.A.G. acima do Abismo, um Chefe Secreto, pode ser um espírito ancestral deificado, logo ele poderia ser um Exu tutelar de um kimbanda? Não tecnicamente. Você vai entender logo abaixo.
E aqui precisamos ir na Hermética para entendermos um pouco mais. Na Hermética são apresentados dois daimōnes pessoais: i. o daimōn pessoal que vem ao reino da geração junto a alma corporificada, representa a soma total de todas as características astrais da Carta Natal, e é a força motriz por detrás de cada impulso, de cada ação, de cada escolha. ii. o daimōn noético, que é o próprio nous no indivíduo. Isso explica que, de fato, o S.A.G é tanto uma entidade praeter-humana (o daimōn pessoal), quanto o Eu Superior (o daimōn noético).
E aqui retomamos a fórmula da Quadratura Pessoal, i.e. o trabalho do Círculo (°) e do Quadrado () nos Graus da A∴A∴ que tanto falei nas edições de O Olho de Hoor. Se o daimōn pessoal está alinhado com o daimōn noético em Neshamah, então está alinhado a Verdadeira Vontade (faz o que tu queres); é quando dizemos que o daimōn está curado. Por outro lado, se o daimōn pessoal estiver alinhado com o Nephesh apenas, então estará alinhado com os desejos e paixões (faz o que te der na telha) somente; é quando dizemos que o daimōn está viciado. No texto A Imagem Pálida do Ouro fino, falei do mistério do tzelim, que representa o duelo ilusório entre o augoeides e a persona sombria, refletindo esses arcanos.[5] No platonismo teúrgico de Jâmblico, que é o exercício ritual da doutrina soteriológica da Hermética, o trabalho para alinhar o daimōn pessoal ao daimōn noético é a catarse da prática teúrgica.
O daimōn pessoal representa a ancestralidade astral do indivíduo. Cada conjunção na Carta Natal é um espírito ancestral; assim, a Carta Natal é um verdadeiro catálogo de espíritos ancestrais. E todos esses espíritos ancestrais se aglutinam em apenas um espírito, o daimōn pessoal. Ele representa a congruência total das forças astrais ancestrais de todos esses espíritos por trás de cada ato ou decisão do indivíduo. É por isso que o daimōn representa a força motriz que subjaz todos os impulsos do indivíduo, conduzindo seu destino. Jâmblico demonstra que que este espírito rege o destino de um indivíduo enquanto este ainda não é iniciado no culto a alguma divindade. No entanto, a partir da iniciação no culto a alguma divindade, o daimōn pessoal se submete a autoridade dessa divindade, porque hierarquicamente ela é superior a ele. O daimōn pessoal ou o S.A.G., portanto, não é o Exu tutelar, uma divindade ctoniana, mas após a iniciação na Quimbanda, passará a se submeter a autoridade do Exu tutelar, tornando-se um diabo pessoal. E no caso de Thelema? A mesma coisa: o S.A.G. se submete a autoridade de Ra-Hoor-Khuit para consecução da Grande Obra.
Na Ordo Estrela & Serpente, que opera com a fórmula mágica do obeah e wanga, o S.A.G. recebe uma morada de poder física, ao estilo da cabalá crioula.
Amor é a lei, amor sob vontade.
Fr. AHA-ON, 777 ∵
NOTAS:
[1] Veja Fernando Liguori. Daemonium: Curso de Filosofia Oculta; Daemonium: a Quimbanda no Renascer da Magia; e Daemonium: a Quimbanda & a Nova síntese da Magia. Clube de Autores, 2019, 2022 e 2024. Nestes três livros você poderá compreender como a noção que hoje temos de anjos e demônios no Ocidente deriva da Septuaginta.
[2] Na Magia Sagrada de Abramelin, o Mago, o Sagrado Anjo Guardião é um Espírito Terrestre do Corpo de Deus. É Deus que libera o acesso ao Sagrado Anjo Guardião através de sua Graça, em detrimento da disciplina ascética do operador. O objetivo por trás dessa narrativa, a que conquistar o Conhecimento & Conversação com o S.A.G., é outo; o operador deseja na verdade dominar os espíritos telúricos, i.e. demônios, com a autoridade do S.A.G. Veja Fernando Liguori. Daemonium: a Quimbanda no Renascer da Magia. E Ganga: a Quimbanda no Renascer da Magia. Clube de Autores, 2022 e 2023.
[3] Aleister Crowley. Magick sem Lágrimas. Clube de Autores, 2024, pp. 130.
[4] Ibidem, pp. 285.
[5] Um dos alertas mais importantes deixados por Crowley é o perigo de confundir ilusões psíquicas com o verdadeiro Anjo. Em Liber Samekh, ele adverte que a mente humana pode ser enganada por suas próprias projeções e desejos, gerando falsas revelações. Isso se alinha com as noções modernas de psicologia profunda, onde a Sombra pode se manifestar como um guia ilusório, levando o adepto a caminhos de autossabotagem e delírio místico. Esse conceito também está presente no livro Corrente 93, onde se discute a necessidade de desenvolver um discernimento rigoroso para distinguir entre o verdadeiro S.A.G. e as imagens distorcidas que o Ego projeta: O Adepto Externo tem de colocar seu Ego completamente sob controle, aplicando a Espada da Lucidez. Depois, o Adepto Interno estabelece conexões além do Abismo para receber a gnose transmitida pelo Anjo. Dessa forma, o trabalho do Adepto é eliminar todas as ilusões e refinamentos do Ego, garantindo que o contato com o S.A.G. seja genuíno e não uma fantasia criada pelo próprio desejo.
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