[Diário Mágico]: O perigo do feminismo em Thelema
- Fernando Liguori
- 19 de mar.
- 9 min de leitura

26 DE FEVEREIRO DE 2025 E.V. – o perigo do feminismo em Thelema
Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei.
Um dos motivos que me levaram a escrever essa nova versão de A Lança & o Graal é tecer uma apologia e defesa da essência da magia sexual thelêmica, que é fálica, androcêntrica. No editorial que abre essa edição do Segundo Volume de O Olho de Hoor, escrevo: por que escrever, após sete anos de silêncio, um novo livro sobre a magia sexual thelêmica associada diretamente ao sistema iniciatório da Ordo Templi Orientis, O.T.O.? Porque a ordem vem perdendo seus mistérios ao longo das duas últimas décadas. Abraçando publicamente ideias como teoria e linguagem de gênero, feminismo, ativismo queer, e falsas premissas como opor-se ao racismo e a misoginia é um valor thelêmico, nada poderia ser mais falso e anti-thelêmico. O cerne de Thelema é «Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei» (Liber AL vel Legis, III:60). E «tu não tens direito a não ser fazer a tua vontade» (Liber AL vel Legis, I:42). Isso significa que Thelema exige que você pense por si mesmo e que tenha a liberdade de traçar seu próprio caminho, mesmo cometendo erros que serão julgados aos olhos dos outros ou da lei dos homens. Qualquer compulsão a favor ou contra uma crença, ideia ou comportamento, por mais odioso que ele seja, viola o espírito da autogovernança divina que impera na filosofia de O Livro da Lei.
Ao que faço duas notas de rodapé, as quais reproduzo em partes:
[...] Nestes escritos as missivas do que se conveniou chamar de cultura woke estão presentes na forma de injunções que devem ser abraçadas pelos thelemitas. Propor as ideologias, filosofias ou causas sociais que os thelemitas devem abraçar é, de fato, cair no buraco chamado porque (Liber AL vel Legis, II:27). Um verdadeiro thelemita nunca dirá o que você deve ou não deve ler, o que você deve ou não deve acreditar, o que você deve ou não deve fazer. A A∴A∴ é uma escola de formação que ensina indivíduos a pensarem por si mesmos, propondo o caminho da consecução do gênio. A O.T.O. sob a administração de Crowley foi sistematizada para difusão da mensagem libertária de O Livro da Lei, que se opõe categoricamente a qualquer ideologia, filosofia, religião ou política social autoritária que castre a Verdadeira Vontade do homem, tornando-o no homem massa de José Ortega y Gasset (1883-1955), o indivíduo que se caracteriza pela conformidade, pela mediocridade e pela ausência de iniciativa individual, aceitando passivamente as normas e opiniões dominantes sem questionamento ou busca por transcender a realidade cotidiana. Em vez de cultivar a potência da Verdadeira Vontade, o homem massa se deixa levar pelo coletivo, vivendo uma existência pautada pela repetição e pela imitação, o que marca a decadência da cultura e da verdadeira excelência humana, i.e. o gênio: todo homem e toda mulher é uma estrela (Liber AL vel Legis I:3). Este homem massa de Ortega y Gasset é o mesmo povo de O Livro da Lei (II:25, III:8 e III:17), a manada de escravos que devem servir (Liber AL vel Legis, 54 e 58) aos Senhores, àqueles que conquistaram a consecução do gênio, os aristocratas da liberdade, i.e. os thelemitas de verdade.
A Agape Magazine, uma publicação oficial da O.T.O. nos EUA, na edição de março de 2017 e.v. (Vol. XVII, No. 1), traz em seu editorial instruções de como um thelemita deve se comportar. Propor uma forma de comportamento ou atitude padrão viola os princípios de Liber Oz e conecta toda comunidade thelêmica a mente pueril ou consciência de manada do povo, a grande massa de imbecis coletivos que os thelemitas, segundo os princípios de O Livro da Lei, deveriam se opor (Liber AL vel Legis, II:25). Veja O Olho de Hoor, Vol. I, No. 3 para uma avaliação acerca dos perigos das políticas de rebanho para liberdade individual. Em sua introdução a edição de 1938 e.v de O Livro da Lei (Seção V), Crowley diz: «A democracia esquiva-se. O fascismo feroz, o comunismo cacarejante, igualmente fraudulento, cavalgam loucamente por todo o globo. Estão a cercar-nos. São nascimentos abortivos da Criança, o Novo Aeon de Hórus. A Liberdade agita-se de novo no ventre do Tempo. A evolução faz as suas mudanças por caminhos anti-socialistas. O homem «anormal» que prevê a tendência dos tempos e adapta as circunstâncias de forma inteligente, é ridicularizado, perseguido, muitas vezes destruído pelo rebanho; mas ele e os seus herdeiros, quando a crise chega, são sobreviventes. Sobre nós paira hoje um perigo que nunca teve paralelo na história. Suprimimos o indivíduo de forma cada vez mais intensa. [...] O mundo só se move à luz do gênio. O rebanho será destruído em massa. O estabelecimento da Lei de Thelema é a única maneira de preservar a liberdade individual e de assegurar o futuro da raça.» Weiser Books, 1976, pp. 14-5.
Eu pretendo melhorar essas notas e a versão final no livro ficará melhor. Esse é só um esboço inicial da ideia e talvez não uso o termo woke. Seja como for, em outa passagem do texto, digo: Por volta de 2018 e.v., ano que adormeci meu trabalho externo da Astrum Argentum, começou a circular nos EUA e em seguida no Brasil um slogan entre as thelemita-z feministas com a seguinte mensagem estampada em camisetas, botons e bonés: «não sou sua Babalon». Ledo engano destas tolas escravas do porque (Liber AL vel Legis, II:54). São as soldados profissionais (Liber AL vel Legis, III:57) que brincam de deturpar a fórmula mágica da magia sexual thelêmica, que é fálica, para homens. Elas não aceitam que sejam consideradas apenas o veículo temporário do poder. Mas as coisas são como são: i. fatos são fatos e contra fatos não há argumentos; ii. os fatos não se importam com os sentimentos das pessoas, neste caso, das feministas.
Esse excerto segue com outra a nota, a qual incluo:
Existe uma narrativa sendo construída por parte das thelemita-z feministas de que Theodor Reuss (1855-1923), o pai da O.T.O., flertava com o feminismo, por conta de sua ênfase em dar destaque ao papel da mulher. Como demonstra Hugh B. Urban, isso é pouco provável. Ele diz: «Seria um erro considerar Reuss um feminista. Seu ideal da verdadeira mulher estava amplamente alinhado com os valores predominantes do Século XIX: a mulher deveria ser exaltada como mãe e reverenciada por seu papel central na esfera doméstica. Na verdade, Reuss era bastante crítico em relação à forma inicial do feminismo que emergia na Inglaterra, «com seu movimento extremo de negação da Maternidade («movimento das mulheres», as Sufragetes)», e ele esperava que a O.T.O. pudesse ajudar a restaurar o verdadeiro culto à Maternidade naquele contexto. » Veja Magia Sexualis: Sex, Magic and Liberation in Modern Western Esotericism. University of California Press, 2006, pp. 103.
Sobre os mistérios fálicos e androcêntricos da magia sexual thelêmica, é o tema do livro. Essa entrada no diário registra minhas preocupações concernentes ao avanço de ideias feministas corrompendo a fórmula mágica 418 (Abra-Had-Aba) que é o cerne da magia sexual da O.T.O. Embora eu vá falar sobre essa fórmula novamente no livro, já fiz considerações abundantes sobre ela nos meus livros anteriores, como As Crônicas da O.T.O., o Corrente 93 e vários números do Primeiro Volume de O Olho de Hoor.
No meu antigo canal do YouTube, Diário de um Mago, voltado para questões que envolvem o dia-a-dia de um adepto da Astrum Argentum, gravei um vídeo chamado Os Perigos do Feminismo em Thelema. Na época, 2018 e.v., fiz um roteiro de vídeo para apresentação do tema, o qual compartilho na íntegra aqui. Embora o texto precise de atualizações para os dias de hoje, acredito que servirá para demonstrar algumas de minhas preocupações concernentes ao tema.
Os Perigos do Feminismo em Thelema: Uma Análise Crítica
O feminismo, como movimento social e filosófico, busca a equidade entre os sexos e a desconstrução de estruturas patriarcais. No entanto, dentro do contexto de Thelema, ele pode apresentar certas contradições e desafios filosóficos que merecem uma análise mais aprofundada.
1. Thelema e a Questão do Igualitarismo
Aleister Crowley, o preconizador da filosofia de Thelema, rejeitava princípios igualitários universais, pois via a realidade espiritual e social em termos hierárquicos. Ele afirmava que homens e mulheres possuíam papéis distintos, especialmente no contexto da magia sexual e da relação entre as forças solares (masculinas) e lunares (femininas).
Crowley era um aristocrata de alma, e via movimentos igualitários (como o feminismo, socialismo e a democracia) como remanescências do Cristianismo decadente, que tentavam nivelar a sociedade de maneira artificial, negando a realidade das diferenças naturais entre os indivíduos. Nos seus próprios termos, estes movimentos eram considerados abortos do novo aeon.
2. O Perigo da Igualdade Forçada
Em Liber AL vel Legis (II:21), está escrito: Nós não temos nada com os proscritos e os incapazes: deixai-os morrer em sua miséria. Pois eles não sentem. A compaixão é o vício dos reis. Isso indica que a estrutura social em Thelema é baseada na lei do mais forte, no mérito individual e na liberdade de cada pessoa viver de acordo com sua Verdadeira Vontade, e não em um sistema que impõe igualdade forçada.
O feminismo, ao exigir igualdade absoluta entre os sexos, poderia ser visto como uma negação da diferenciação natural entre forças masculinas e femininas, prejudicando a essência das polaridades mágicas, fundamentais em Thelema.
3. A Substituição da Verdadeira Vontade pelo Coletivismo
Em Thelema, cada indivíduo deve buscar sua Verdadeira Vontade, ou seja, seu propósito espiritual e pessoal, sem interferência externa. O problema surge quando o feminismo moderno, especialmente em suas vertentes mais radicais, promove uma ideologia coletiva, onde o indivíduo é pressionado a se conformar a determinadas pautas sociais e políticas.
Isso pode ser perigoso dentro do sistema thelêmico, pois Thelema rejeita dogmas sociais e políticos preestabelecidos, promovendo o autoconhecimento individual acima de qualquer narrativa coletiva.
4. A Distinção entre Babalon e o Feminismo Moderno
Dentro da espiritualidade thelêmica, a figura de Babalon é exaltada como a expressão espiritual (Binah) da Mulher Escarlate, a expressão material (complexo Netzach-Malkuth do princípio feminino), símbolo do poder sexual feminino e da total liberdade espiritual. No entanto, Babalon não representa a vítima, nem uma militante feminista buscando direitos sob a tutela do Estado.
Pelo contrário, Babalon é selvagem, livre, destruidora e criadora ao mesmo tempo, recusando-se a ser encaixada em narrativas de opressão. O feminismo moderno se coloca em uma posição de vitimização e busca constante por direitos e proteções, o que pode contradizer a essência autossuficiente e caótica de Babalon.
5. O Feminismo e a Desconstrução da Magia Sexual
O eixo central de Thelema é a magia sexual, que se baseia na interação de forças opostas e complementares. O feminismo radical tende a desconstruir a noção de papéis sexuais e forças mágicas masculinas e femininas, promovendo uma visão mais homogênea dos gêneros. Isso pode ser problemático em Thelema, pois: i. a magia sexual thelêmica depende da interação equilibrada das polaridades masculina e feminina entre o Sacerdote e a Sacerdotisa, como na Missa Gnóstica. ii. a rejeição dos arquétipos sexuais pode enfraquecer a fórmula mágica de Thelema, que reconhece a diferença energética entre os sexos como parte do Cosmos.
Conclusão
O feminismo, em sua busca por igualdade e desconstrução dos gêneros, pode se tornar uma força incompatível com os princípios de Thelema, que valoriza a hierarquia natural, as polaridades mágicas e a soberania individual sobre coletivismos ideológicos. Isso não significa que Thelema seja contra a liberdade das mulheres, pelo contrário, exalta o poder feminino através de Babalon. O problema surge quando o feminismo tenta substituir a Verdadeira Vontade pela política, a autonomia pelo vitimismo e a espiritualidade pela militância ideológica.
Em última análise, Thelema é um caminho de liberdade individual, não um movimento político. Quem busca impor Thelema dentro dos moldes do feminismo moderno pode acabar distorcendo sua essência e criando um sistema dogmático que contradiz os próprios ensinamentos de Crowley.
Aqui encerra o roteiro do vídeo. A magia sexual thelêmica depende de uma cosmovisão que deve ser integrada ao dia-a-dia das práticas mágico-psiúrgicas e, antes de mais nada, nas circunstância e eventos mais casuais da vida secular, i.e. trata-se de um estilo de vida em que absolutamente tudo, das relações pessoais ao fechamento de negócios e contratos, deve ser mensurado nos termos dos quantitativos energéticos que surgem da interação das forças mágicas masculinas e femininas, os vetores de força que convergem no símbolo hierático do Um Deus Verdadeiro, Baphomet.
Sobre a aristocracia de alma, ficam aqui registradas algumas palavras que compartilhei em rede social:
A «aristocracia espiritual» é um conjunto de valores que elegemos como norteadores de nosso trabalho; o conceito de «aristocrata de alma» está ligado à nossa visão destes valores dentro de uma hierarquia espiritual e tradicional, onde o verdadeiro valor de um indivíduo não se mede por riqueza, status social ou poder material, mas sim por sua nobreza interior, disciplina, senso de honra, justiça e lealdade, e a busca pela deificação da alma.
O «aristocrata de alma» é aquele que possui uma natureza superior; não se define pelo nascimento, mas pela capacidade de transcender as influências mundanas e se conectar com princípios eternos. Ele rejeita o materialismo e vê a modernidade como decadente, porque valoriza o materialismo e a igualdade artificial em detrimento da hierarquia e da tradição. Ele também vive segundo princípios metafísicos, e entende que a verdadeira aristocracia não é a de sangue, mas a daqueles que vivem de acordo com valores espirituais superiores. Possui autodisciplina e domínio de si mesmo, i.e. domina suas paixões, mas age com uma justiça imperial e impiedosa baseada nos valores da Honra, da Lealdade e do olho-por-olho.
Na modernidade, a verdadeira aristocracia foi corrompida e diluída. Assim, o aristocrata de alma muitas vezes se encontra isolado e em oposição ao mundo moderno, porque ele resiste à sua decadência se tornando um Iniciado, como o super-homem de Nietzsche, o gênio de Aleister Crowley ou os siddhas da cultura sul-asiática tântrica, em busca da deificação da alma e do verdadeiro sentido de hierarquia espiritual.
Amor é a lei, amor sob vontade.
Frater AHA-ON777
Achei muito interessante a proposta do tema. Lendo, tenho vontade de ir ainda mais fundo sobre as incompatibilidades do movimento feminista com qualquer sistema de magia sexual. O feminismo por si só, rejeita qualidades de receptividade, absorção, penetrancia; que no corpo alquímico de uma Magista são premissas para um bom trabalho. Frequentemente chegam no meu consultório mulheres feministas fervorosas com frigidez, anorgasmia, vaginismo…. Simplesmente não podem receber o poder do falo, pois este tornou-se a personificação do patriarcado, o inimigo.
Sobretudo, quando falas sobre certo “conformismo” com as circunstâncias sociais, talvez no sentido de aceitação plena de como o mundo é, tenho me respondido com clareza sobre o patriarcado como resposta intrínseca a evolução do ego e da consciência. Lendo…