[Diário Mágico]: Faz o que tu queres
- Fernando Liguori
- 19 de mar.
- 7 min de leitura

19 DE FEVEREIRO DE 2025 E.V. – faz o que tu queres
Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei.
Após o sādhanā de hoje, meditei sobre ser thelemita (Liber AL vel Legis I:40), a seleção natural que Thelema propõe aos seus verdadeiros adeptos, que são poucos & secretos (Liber AL vel Ligis I:10) e o exercício da Verdadeira Vontade – faz o que tu queres, que como nos é ensinado em A Mensagem do Mestre Therion, não tem nada a ver com faz o que quiser que te der na telha. Interessante essa reflexão de hoje, que vejo como um reflexo ou efeito colateral de meu sādhanā buscando aperfeiçoar a khecarīmudrā, que estimula o ājñā-cakra (glândula pineal) e o lanana-cakra situado no alto do palato duro. O bindu visarga também é estimulado pela khecarī, possibilitando a produção do amṛta. Outras glândulas e até o hipotálamo são estimulados por essa prática que quando é aperfeiçoada, cultiva um estado de bem-aventurança na mente, inquirição profunda e ritambharā-prajñā, a percepção direta da verdade.
Em 2015 e.v., último ano da SETh, Sociedade de Estudos Thelêmicos, antes de sua reestruturação na Sociedade da Estrela & Serpente, fiz duas tatuagens. No braço direito um triśula, o tridente de Śiva, um dos símbolos mais poderosos do Śaivismo Trika da Caxemira, que possui muitos significados importantes: os três guṇas, os três tempos, os três estados de consciência, os três aspectos da existência, as três nāḍīs fundamentais do corpo sutil, as três mālas que obscurecem a consciência etc. É um símbolo da força destruidora e transformadora de Śiva.
No braço esquerdo tatuei o piso da cripta dos adeptos do Ritual 5°=6 da Ordem Hermética da Aurora Dourada. Esse espaço representa o túmulo do adepto, a câmara de transformação alquímica onde o iniciado deve passar pela morte simbólica e o renascimento espiritual. A cripta dos adeptos é um microcosmo da Grande Obra alquímica, representando a descida do candidato ao Submundo, a purificação interior e a ascensão à luz da Verdadeira Sabedoria. Este espaço sagrado é modelado segundo o túmulo de Christian Rosenkreutz, o lendário fundador da Rosa-Cruz, e incorpora diversos símbolos da Cabalá, do Egito e do Hermeticismo. O chão da cripta tem um desenho característico, composto por um losango ou quadrado dividido em 4 triângulos coloridos, representando: Preto – Terra (nigredo, putrefação); Branco – Ar (albedo, purificação); Verde – Água (citrinitas, iluminação); Vermelho – Fogo (rubedo, transmutação). Essa divisão está diretamente relacionada ao processo alquímico da transmutação da alma, onde o candidato deve dissolver sua identidade profana e renascer como um verdadeiro Adepto.
As cores do piso da Cripta dos Adeptos seguem a tradição alquímica, simbolizando as quatro fases essenciais do trabalho do Adepto: Preto (nigredo): representa a morte iniciática, a dissolução do Ego e da identidade profana. O candidato enfrenta suas trevas internas. Branco (albedo): o início da purificação, onde a alma começa a se elevar acima da ignorância e do caos. Verde (citrinitas): simboliza a iluminação interior, o conhecimento secreto desvelado ao Adepto. Vermelho (rubedo): a completude da Obra. O Adepto renasce como um verdadeiro Mestre, detentor da Luz e do Conhecimento.
No centro do piso da cripta, frequentemente está uma Rosa-Cruz, símbolo central da Ordem, composta por uma cruz colorida contendo os mistérios dos elementos, do Tetragrammaton e da Árvore da Vida. Esse símbolo confirma que a cripta dos adeptos é o coração da iniciação rosacruciana, onde o candidato renasce espiritualmente. A cruz e a rosa combinam os opostos, mostrando que o iniciado deve unir os princípios do masculino e do feminino, do Sol e da Lua, para alcançar a verdadeira deificação.
A cripta dos adeptos e seu piso são um microcosmo da Árvore da Vida, particularmente da jornada entre Tiphereth (Beleza, a esfera do Sol) e Kether (a Coroa, a Deificação Suprema). O candidato que entra na cripta deve realizar essa jornada espiritual dentro de si mesmo. O quadrado do piso representa Malkuth (Reino, matéria); o túmulo e a rosa no centro simbolizam Tiphereth (O Sol, renascimento do Adepto); o teto invisível da cripta corresponde a Kether (A Luz Suprema). A jornada do iniciado é sair da matéria densa (Malkuth), morrer para o mundo profano, e renascer como um Adepto deificado (Tiphereth), com potencial para ascender ainda mais.
O Ritual de Iniciação ao Grau de Adepto Menor é uma representação da morte e ressurreição de Osíris, refletindo o mito egípcio e a trajetória do iniciado. O Adepto morre simbolicamente como um homem comum e renasce como um Mestre da Luz Oculta. O piso da Cripta reflete esse processo porque o iniciado morre simbolicamente sobre o losango colorido. Sua alma passa pelas quatro cores, os quatro elementos e as quatro fases da alquimia. Ao final do ritual, ele ressuscita como um Adepto deificado, pronto para guiar outros na senda da Iniciação.
Essas tatuagens representaram, a partir daquele momento como um Adepto Menor da A∴A∴ como Frater ON120, a união ou medida entre o Céu e a Terra; a união entre o esoterismo ocidental e o esoterismo oriental dentro de minha alma. O lâmen da SETh representou esse processo iniciático.
Thelema não é para todos. Pensar isso, hoje mais do que nunca é possível ver, trata-se de uma fantasia, uma utopia. O Livro da Lei já adverte que os verdadeiros e genuínos thelemitas são poucos & secretos. De acordo com o próprio AL, Thelema não é para o povo, a grande massa de imbecis coletivos, mas para os aristocratas da liberdade, que Crowley menciona em seus comentários de O Livro da Lei (II:25), indivíduos que despertaram o gênio. Thelema só funciona para quem age com responsabilidade e com maturidade. Eu levei muitos anos para compreender isso. Para tal, a A∴A∴ foi estruturada de tal maneira que a pirâmide mágica pudesse ser erguida, administrando lições e ordálios que treinam e ensinam a se apropriar, manejar e direcionar a Corrente Mágica 93, que é a própria Verdadeira Vontade de cada eremita que segura em suas mãos o poder do yod.
No entanto, a grande legião de thelemita-z (i.e. thelemitas da geração z) não agem com maturidade, nem jamais alcançarão os padrões espirituais de Thelema. A maioria não passa de meras ovelhas, balindo em um campo cercado por todos os lados, incapazes de realizar as tarefas mais simples de disciplina que Thelema exige. O que constitui um verdadeiro thelemita? Quem nos chama Thelemitas não fará erro, se ele olhar bem de perto na palavra. Pois há ali Três Graus, o Eremita, e o Amante, e o homem da Terra. Faz o que tu queres há de ser tudo da Lei (Liber AL vel Legis I:40). E em seu comentário sobre esse verso Crowley diz: O Homem da Terra é só um aderente.
No contexto de aderir a uma ideologia, um aderente é alguém que segue, apoia ou se identifica com determinada filosofia, doutrina, crença ou movimento. Pode-se dizer que um aderente aceita e pratica os princípios de uma ideologia, sendo um seguidor comprometido, mas sem necessariamente ocupar um papel de liderança ou ser um membro formal de uma organização ligada àquela ideologia. Por exemplo: um aderente de Thelema é alguém que segue e pratica os princípios da Lei de Thelema, mas que pode ou não estar formalmente afiliado à O.T.O. ou à A∴A∴.
No Ritual de Iniciação da O.T.O., o Saladino fala ao iniciantes: Saúdo você como um irmão com o título de Minerval, Homem da Terra, um buscador da sabedoria oculta. Também lhe apresento este Pergaminho Sagrado. Estude-o bem; ele é a Carta da Liberdade Universal. Infelizmente, a maioria dos indivíduos raramente realiza um estudo exaustivo desse manuscrito, ou pior ainda, utilizam apenas versos específicos para reforçar sua crença inabalável de que essa filosofia lhes dá o direito absoluto de fazer o que diabos quiserem. Ignoram os versos mais obscuros que não compreendem ou que contradizem suas crenças pessoais. Neste ponto precisamos fazer uma pergunta dura: simplesmente se chamar de thelemita faz de você um? Em alguns círculos modernos, Thelema é atraente, especialmente para aqueles que ainda não se libertaram completamente do Velho Aeon. Após anos sendo informados de que não podem fazer isso ou aquilo, Thelema oferece a essas crianças rebeldes a justificativa para expressar seus traumas sob o pretexto de Faz o que tu queres. É por isso que memorizar e estudar corretamente O Livro da Lei e sua filosofia é tão importante. Você não pode escolher e acreditar apenas no que lhe convém e então pendurar nisso um rótulo chamado Thelema. Há certas crenças inerentes à filosofia que devem ser seguidas.
O primeiro passo é perceber que um thelemita é alguém que acredita que seu espírito escolheu sua encarnação para obter uma certa experiência e que, após a puberdade, foi-lhe concedida a livre escolha para Faz o que tu queres. Mas não há garantia de que o espírito cumprirá essa encarnação desejada, pois Faz o que tu queres é uma espada de dois gumes. Por um lado, implica que temos a licença para buscar nossa experiência terrena como escolhemos. No entanto, o perigo dessa suposição é que nossa alma pode facilmente focar toda a sua atenção no faz o que quiser, afastando-se inconscientemente do verdadeiro motivo pelo qual encarnou. Aleister Crowley foi claro ao dizer na Mensagem do Mestre Therion: [D]eve ficar claro que Faz o que tu queres não significa Faz o que te agrada. Em outras palavras, ser um thelemita é muito mais complexo do que simplesmente acreditar em qualquer coisa e fazer o que der na telha. Aqueles que seguem seus Desejos ao invés de buscarem descobrir e realizar a Verdadeira Vontade são, como J. Edward Cornelius, o último grande thelemita de nossa época, os chama de thelomitas.
Este termo vem da palavra grega thélo, que significa querer, desejar. Por definição, um thelomita é alguém que desconsidera a Vontade dos outros e age apenas com base em suas crenças ou desejos pessoais, em contraste com o thelemita, que respeita os direitos dos outros.
Lembre-se sempre: segundo o Liber AL vel Legis, todos os thelemitas começam no grau de Homem da Terra e têm apenas um requisito: aprender a Lei e viver de acordo com ela. Essa Lei não está enraizada no direito de fazer o que quisermos ou impor nossa religião, nossa política ou nossas visões de mundo aos outros, como se nossa verdade fosse algo que todos devem seguir. Pelo contrário, como Crowley aponta, Thelema é uma filosofia enraizada na nossa capacidade de permitir que todos ao nosso redor vivam sua Vontade antes da nossa.
Amor é a lei, amor sob vontade.
Frater AHA-ON777
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